Rosana Gimael Blogueira

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sábado, 21 de outubro de 2017

*CÁ ENTRE NÓS, MINHAS QUERIDAS MENINAS!




Para falar da obsessão por um padrão de beleza – ou mesmo de vida -  ideal, queridas meninas, hoje eu começo minha reflexão em torno de dois contos. O primeiro é de um autor guatemalteco, do século XX, um dos mais importantes da literatura latino-americana, e o mestre maior do conto breve no panorama mundial. Amante da narrativa irônica e bem-humorada, quase sempre curta, revelou-se um crítico eficaz do comodismo e da subserviência. O segundo é de um autor francês, do século XVII, considerado o pai da fábula moderna que,  ao se referir a esse gênero, dizia :  “É uma pintura em que podemos encontrar nosso próprio retrato”.

Ei-los abaixo:
O  rã que queria ser uma autêntica rã
(Augusto Monterroso)

Era uma vez uma rã que queria ser uma rã autêntica, e que todos os dias se esforçava para isso. No começo ela comprou um espelho onde se olhava longamente procurando sua almejada autenticidade.

Algumas vezes parecia encontrá-la e outras não, de acordo com o humor desse dia e da hora, até que se cansou disso e guardou o espelho num baú.

Finalmente, ela pensou que a única maneira de conhecer seu próprio valor estava na opinião das pessoas, e começou a se pentear e a se vestir e a se despir (quando não lhe restava nenhum outro recurso) para saber se os outros a aprovavam e reconheciam que era uma rã autêntica.

Um dia observou que o que mais admiravam nela era seu corpo, especialmente suas pernas, de forma que se dedicou a fazer exercícios e a pular para ter ancas cada vez melhores, e sentia que todos a aplaudiam.

E assim continuava fazendo esforços até que, disposta a qualquer coisa para conseguir que a considerassem uma rã autêntica, deixava que lhe arrancassem as ancas, e os outros as comiam, e ela ainda chegava a ouvir com amargura quando diziam: que ótima rã, até parece frango.

A  rã que queria ser grande como o boi
( J.de La Fontaine)
Certa rã viu um boi e impressionou-se com seu belo porte. Envergonhada com seu minúsculo tamanho, pretendeu encher-se de ar, até igualar o tamanho do grande animal, objeto de sua admiração.
Envaidecida, disse as suas companheiras:
- Vejam, irmãs, estou ficando grande? Já igualei meu tamanho ao do boi?
- Não! - responderam.
- E agora?
- Ainda não.
- Agora, penso que consegui...
- Ainda está muito longe!
A rã, então, foi inflando-se, cada vez mais, até que sua pele, não mais resistindo, se arrebentou.

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Como não nos remetermos, por meio da “rã”, ao que estamos presenciando hoje? A necessidade premente de querer ser diferente do que se é, por não aceitação, por uma autoestima distorcida, fragilizada ou pela busca frenética por  padrões de vida e/ou de beleza inalcançáveis?
Somos invadidas, caras leitoras, todos os dias por imagens de corpos esculturais, looks bafônicos, cabelos impecáveis, mulheres lindas, glamorosas, saudáveis, saradas. Aquelas mulheres-modelos-capas de revista – sim, elas são lindas-  não são o retrato da vida real. Elas vivem disso, ganham dinheiro para parecerem perfeitas. Fora a produção para deixar as meninas verdadeiras bonecas, cada foto é tratada, manipulada e corrigida. E quando vemos a foto pensamos: Meu Deus! Como elas são perfeitas!
Imagina ter que estar sempre linda, penteada e nunca mais poder comer um “podrão” ou um X-tudo super completo na birosca? Se alimentar bem, ok. Viver em função da dieta e do corpo: furada! Estar bem vestida, ok. Tratar a beleza como fator mais importante da sua vida: furada! Se cuidar, ok. Fazer loucura em nome de padrões estéticos: SUPER FURADA!
Ok, meninas, na teoria é muito simples: Basta dizer não a essa ditadura da beleza e ponto! Mas na prática, lidar com essas “cobranças” pode ser muito mais difícil do que parece. Como se manter segura e livre do padrão Angel? Vamos lá!
Devemos ter em mente que a aparência, na escala de prioridades da vida, não ocupa, ou não deveria ocupar,  o primeiro lugar! Adianta estar linda e sem saúde? Adianta ser linda e infeliz? Então, antes de colocar tudo em função da aparência, reflita e busque levar uma vida mais leve, com menos cobranças, se amando, se conhecendo. Seja feliz!
Lembrar que a vida não é uma competição também é muito importante. Você não tem que ser mais bonita, mais magra, mais feliz que ninguém. Você tem que tentar todos os dias ser melhor que você mesma, hoje ser melhor que ontem. Não vá fazer loucuras em busca da barriga de fulana, das pernas de beltrana. A sensação é que vivemos em um mundo em que as mulheres são postas o tempo todo sob julgamento e classificadas por seu “tipo de beleza”, “tipo de roupa”, “tipo de vida” e assim, acaba sendo normal acharmos que precisamos ser mais bonitas que a amiga, mais arrumadas que a vizinha.
Se sentir bonita tem a a ver com segurança, respeito a si própria, felicidade e autoaceitação.  Se gostar, mesmo conhecendo suas imperfeições,  saber valorizar seus pontos fortes e ser fiel a sua essência conta muito na hora de se sentir “poderosa” ou não. Então, se olhe no espelho e faça o exercício de perceber quão especial é essa pessoa que tá ali te olhando. Se veja com olhos de “melhor amiga” e seja legal em sua avaliação!
Quando damos um basta nessas cobranças irreais podemos ter objetivos tangíveis e assim ficamos realmente motivadas para melhorar nossa saúde, nossa aparência e nosso corpo. Mas quando “competimos” com imagens irreais de beleza estereotipada o tiro sai pela culatra e você, já que não terá o corpo perfeito, afogará as mágoas na comida ou em hábitos que nos fazem mal. Isso, muitas vezes, acontece por sermos imobilizadas pela busca de um ideal que, para os nossos corpos, pode ser inatingível. Aí vem um ciclo: frustração, angústia e desmotivação.
A perfeição é algo que não existe e a busca pelo corpo perfeito pode ser uma busca vazia, irreal e até mesmo injusta.
Não seja a rã, personagem das narrativas acima, seja Você mesma a sua melhor versão!
Prepare sua playlist, dance de frente pro espelho ou saia pra uma caminhada; procure se interessar por outras coisas, leia bons livros,  cerque-se de pessoas que te façam bem! E, quando olhar-se no espelho, da próxima vez, descubra o brilho em seu olhar, o brilho de uma mulher que se descobriu apaixonada por si mesma, em primeiro lugar! Esse brilho surge quando você se aceita como é, quando você se ama...quando você já sabe o que te faz mal, aquilo que você não quer mais e, principalmente, quando você está focada em agradar a si mesma, antes de mais nada.

*Texto dedicado especialmente às minhas inesquecíveis alunas!




quarta-feira, 18 de outubro de 2017

E ASSIM CAMINHA O REPERTÓRIO DE LEITURA NESTE PAÍS...

Cidadãos de bem atacam Polenguinho confundindo homenagem ao Pink Floyd com arco íris LGBT

Em mais uma prova de que a imbecilidade não tem mais freios no Brasil, seguidores do MBL estão atacando o Polenguinho por fazer “apologia da ideologia de gênero”.
Isso porque a marca homenageou no Facebook a capa do disco do Pink Floyd, The Dark Side of The Moon, com o famoso prisma (veja abaixo). Centenas de indigentes viram um arco íris LGBT. É sério.
Os autores da campanha tiveram que se explicar:
Disclaimer: Nossa equipe criativa teve como inspiração a capa do álbum The Dark Side of The Moon, da banda Pink Floyd, para “brincar” com o conceito de fominha, tão utilizado quando o assunto é Polenguinho. Prezamos pela paz, pelo respeito e pela igualdade em nossa comunidade aqui. Embora não tenhamos feito alusão ao movimento LGBT+, temos máximo respeito pela causa. Contamos com todos que adoram o queijinho mais querido do Brasil desde mil novecentos e bolinha para fomentar uma comunicação afetuosa e fluída por aqui! Obrigado. 

Pode fechar a tampa que o Brasil acabou.

Acesso em: 18.10.17.

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E você, tem contribuído em quê? Em vez de criticar/disseminar o que ouviu falar, o que leu em sites duvidosos,  procura se interessar em se aprofundar em assuntos diversos? Em fazer outras leituras? Pesquisar fontes confiáveis? Ah, a propósito, exceto livros de autoajuda e a Bíblia, quantos livros você leu este ano? Que tal lermos mais e melhor?
Que tal, por exemplo, averiguar a informação do site acima? Que tal procurar saber quais são os sites confiáveis de notícias?  Ou, ainda, para quem parou de estudar há muito tempo, que tal voltar a estudar e/ou se atualizar?
Você concorda com: "Pode fechar a tampa que o Brasil acabou"?
Sempre bom  refletir:
O que você tem feito para fazer valer uma existência produtiva, consistente e harmônica neste planeta, neste país?






segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Tempos Difíceis


https://www.campograndenews.com.br/colunistas/em-pauta/brasil-ve-o-surgimento-de-uma-nova-torre-de-babel

Voltei a estudar há pouco e tive o privilégio de estar em contato com assuntos diversos, com pessoas incríveis que vêm me fazendo entender muitas coisas...vários horizontes vêm se abrindo o que me vem permitindo não sucumbir à loucura coletiva e tentar separar o joio do trigo. Acho que fiz a escolha certa. Estar aposentada, com quase 60 anos, vivendo em uma sociedade tão conturbada, voltar à Universidade na área de Jornalismo (Divulgação Científica e Cultural), Linguística (Análise de Discurso) e  Educação (Leitura e Ensino) tem me feito não sucumbir à insensatez. Quero ter um mínimo de lucidez e dignidade, atravessar o nevoeiro com categoria e destreza para não me perder em meio a mares revoltos. Quero envelhecer sem amargar, quero envelhecer sem proferir palavras duras, quero não perder a esperança, quero ter os olhos curiosos de criança, prezo lucidez por meio do conhecimento. Quero não enlouquecer em meio a uma sociedade tão conturbada que hoje presencio, com discursos atravessados de incoerências e impropérios. Tento entender o que há por trás de tudo isso, o porquê do Brasil estar imerso nesse caos, nesse dizer em  "várias línguas" desconexas, de norte a sul.
(...)
Somos nós que fazemos o país. Precisamos ter acesso a leituras que permitam dialogar sem impor verdades, sem autoritarismo, sem impropérios, sem as mesmices. Sabemos que não há educação de qualidade para todos. Sabemos que há uma mídia manipuladora. Sabemos que o país está à beira do caos. Sabemos que a maioria não tem acesso à cultura, muitos nunca entraram em um museu e nem sabem o que é arte, no sentido de ser uma denúncia/contestação/reprodução de uma realidade, por mais esquisita/surreal que possa parecer, aos que nunca tiveram a informações que desvinculem de crenças arraigadas. Aos que se deixam levar pela hipocrisia, alienação e falso moralismo impostos,muitas vezes, pela religião, ou engessados por conceitos cristalizados que envenenam a mente e/ou o espírito. Aos que acham que as pessoas escolhem ser "gays" e  que é coisa do "demônio", uma aberração e por aí vai... Sabemos que o Brasil é um país laico "pra inglês ver", há a liberdade de culto, porém sabemos que a "religião" vem ganhando espaço na bancada governista em prol de interesses escusos. 
Em vez de culparmos os governantes, em vez de julgarmos implacavelmente a todos que têm um posicionamento/atuação diferente/inconsistente/incoerente de nós, temos como opção fazer uma revolução em prol do  conhecimento-só ele nos permite libertar das amarras da escuridão/ignorância/alienação/estupidez... o conhecimento pode ser construído com leituras outras que se desvinculem de fatos noticiosos/sensacionalistas/deturpadores. A maioria não tem acesso a isso, aliás nem ao básico, para  poder discernir o que há por trás de tudo o que ouvimos dizer. Há ainda aqueles que replicam informações-de sites duvidosos, de jornais comprometidos com a obscuridade- sem checá-las, que contribuem para o empobrecimento de leituras mais coerentes, que contribuem para o emburrecimento, para a obscuridade. Há aqueles que pararam no tempo, que vangloriam dos tempos de outrora. Repassam ideais ultrapassados, clamam por um messias que dará jeito neste nosso país...e arrancam likes/aplausos/endossados pela histeria coletiva, pela "unanimidade".  Vale lembrar que não somos donos do facebook, desse espaço virtual,  e nem tudo nos é conveniente disseminar. Há desabafos  que devem ficar conosco. O que não nos edifica, não nos interessa propagar. Como diz o provérbio: "A boca fala do que o coração tá cheio" . Se nós não temos a acrescentar que possamos nos calar. Não podemos sucumbir à leviandade e nem a julgamentos que ferem a outros,  que ajudem a disseminar um cenário de fim dos tempos.
Em meio a inúmeras leituras, para não ser "mais uma no rebanho", para tentar entender  um pouco o que há por trás da disseminação do ódio, da intolerância e do medo a que temos presenciado nas plataformas digitais, nas redes sociais,  seguem leituras que encontrei no EL PAÍS. Apenas para reflexão, uma possibilidade de entendimento outro...uma possível luz em meio a trevas. Não há pretensão de impor verdades, já me adianto, nem dizer aqui que essas leituras expressem "o certo e o errado", é  apenas uma tentativa de olhar para outra direção!
Vale lembrar ainda que nenhum órgão de imprensa/comunicação está desvinculado de um perfil mercadológico e também descomprometido/isento de posicionamentos que lhes convêm.
Há de se considerar sempre questões do tipo: "quem fala, de que posição fala, para quem fala, como fala e por que fala como fala".  


Eliane Brum

Gays e crianças como moeda eleitoral

As milícias em benefício próprio descobriram como barganhar com a vida dos brasileiros e ganhar adeptos manipulando o medo e o ódio


fechamento da mostra Queer Museum – Cartografia da Diferença na Arte Brasileira aponta a crescente articulação entre setores da política tradicional e milícias como o Movimento Brasil Livre (MBL). Essa articulação está desenhando o Brasil deste momento – e poderá ter muita influência na eleição de 2018. Nesta coligação não formalizada, velhas táticas ganham aparência de novidade pelo uso das redes sociais, com enorme eficiência de comunicação. É velho e novo ao mesmo tempo. A vítima maior não é a arte ou a liberdade de expressão, mas os mesmos de sempre: os mais frágeis, os primeiros a morrer.
A exposição era exibida desde 15 de agosto, em Porto Alegre, no Santander Cultural. Contava com obras de artistas brasileiros de diversas gerações, como Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Ligia Clark, Leonilson e Adriana Varejão. É justamente de Varejão uma das obras mais atacadas: “Cenas do interior 2” tem quatro imagens de atos sexuais, incluindo sexo com um animal. Outra obra demonizada foi a de Bia Leite, que expôs desenhos baseados em frases e imagens do Tumblr “Criança Viada”, que reúne fotos enviadas por internautas deles mesmos na infância. Liderados por milícias como o MBL, pessoas começaram a ofender o público da mostra e a acusar os artistas de promover a “pedofilia”, a “zoofilia” e a “sensualização precoce de crianças”. As milícias também promoveram um boicote ao banco. O Santander recuou, e a exposição, que deveria se estender até outubro, foi encerrada.
O MBL, uma das milícias que lideraram os ataques à exposição, foi um dos principais articuladores das manifestações contra o PT e pelo impeachment de Dilma Rousseff, que levaram às ruas milhões de brasileiros vestidos de amarelo. Na ocasião, sua bandeira era a luta contra a “corrupção”. E propagavam ideias “liberais”. Como bem apontou Pablo Ortellado, em sua coluna na Folha de S. Paulo, o MBL descobriu que “as chamadas ‘guerras culturais’ eram um ótimo instrumento de mobilização e que por meio do discurso punitivista e contrário aos movimentos feminista, negro e LGBTT podiam atrair conservadores morais para a causa liberal”. Passaram então a gritar contra as cotas raciais, o aumento do encarceramento (num país em que a maioria dos presos é composta por negros) e um projeto que espertamente foi batizado de “Escola Sem Partido”.
Mas qual é o contexto e o que o MBL e outras milícias semelhantes defendem? Se este tipo de grupo se formou erguendo a bandeira da “anticorrupção” e não promove nenhuma manifestação nas ruas contra um presidente denunciado duas vezes e um dos governos mais corruptos da história do Brasil, é possível levantar a hipótese bastante óbvia de que a “corrupção” nunca foi o alvo.
Quando são citados na imprensa, MBL e assemelhados são tachados de “conservadores” e “liberais”. Isso os coloca sempre num polo contra outro polo, o que é essencial para este tipo de milícia sobreviver, se replicar e agir em rede. E dá a estas milícias uma consistência que não condiz com a realidade de seu conteúdo. Liberais de fato jamais tentariam fechar uma mostra de arte, para ficar apenas num exemplo. Nem faz sentido dizer que são “conservadores” ou mesmo de “direita”. Eles são o que lhes for conveniente ser.
A dificuldade de nomear o que são, é importante perceber, os favorece. E acabam se beneficiando de rótulos aos quais lhes interessa estar associados num momento ou outro e que lhes emprestam um conteúdo que não possuem, mas do qual sempre podem escapar quando lhes convêm. Neste sentido, apesar de exibirem como imagem um corpo compacto, essas milícias são fluidas. Embora ajam sobre os corpos, não há corpo algum. Isso lhes facilita se moverem, por exemplo, da luta anticorrupção para as bandeiras morais, agora que não lhes interessa mais derrubar o presidente.
A força de milícias como MBL é sua capacidade de influenciar tanto eleitores quando odiadores, num momento histórico em que estas duas identidades se confundem
O que se pode afirmar sobre milícias como o MBL é que elas têm um projeto de poder – ou têm um poder que pode servir a determinados projetos de poder. O poder destas milícias está em mostrar que são capazes de se comunicar com as massas e, portanto, de influenciar tanto eleitores quando odiadores, num momento histórico em que estas duas identidades se confundem. E este é um enorme poder, que claramente tem sido colocado a serviço de políticos e de partidos tradicionais. Além e principalmente, claro, de a serviço de seu próprio benefício.
A descoberta de que temas “morais” são uma excelente moeda de barganha não é prerrogativa do MBL e de seus assemelhados. Esta moeda sempre esteve em circulação. Na Nova República, que se seguiu à ditadura civil-militar (1964-1985), ela esteve na primeira eleição presidencial da redemocratização, quando Fernando Collor de Mello, que depois se tornaria o primeiro presidente a sofrer impeachment, usou fartamente contra Lula o fato de que ele tinha uma filha de uma relação anterior ao seu casamento com Marisa Letícia e que teria sugerido um aborto à então namorada.
Mas o marco fundador do que vivemos hoje pode ser localizado bem mais tarde, na eleição de 2010. Naquele momento, ao perceber o potencial eleitoral do crescimento dos evangélicos no Brasil, em especial dos neopentecostais, alguns oportunistas perceberam que jogar o tema do aborto no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores.
No final do primeiro turno de 2010, a internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma Rousseff era “abortista” e “assassina de fetos”. Rousseff começou a perder votos entre os evangélicos e parte dos bispos e padres católicos exortou os fiéis a não votar nela. José Serra (PSDB) empenhou-se em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante. E Rousseff correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nela, comprometia-se, em caso de vencer a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema.
Quem peregrinou por templos evangélicos defendendo Rousseff e garantindo que ela era contra o aborto foi justamente Eduardo Cunha (PMDB), que depois lideraria o processo de impeachment da presidente eleita e hoje está preso. Naquele momento, o debate político, que nas eleições anteriores tinha se mantido dentro de certos parâmetros éticos, foi rebaixado. E os oportunistas religiosos e não religiosos farejaram que estes eram o temas com que poderiam garantir vantagens para si mesmos e para seus grupos, traficando-os no balcão de negócios de Brasília. Quando os limites são superados, mesmo aqueles que promoveram a sua superação não são capazes de prever até onde isso pode chegar. Desde então, o corpo de mulheres e de gays, lésbicas, travestis e transexuais tornou-se uma das principais moedas de barganha eleitoral.
As milícias rapidamente compreenderam esse potencial. Seu trunfo é comprovar que podem levar as massas para onde quiserem, o que as torna valiosas para políticos com grandes ambições eleitorais e valiosas para seus líderes com ambições eleitorais. Mas só podem levá-las porque se comunicam com uma população que se sente cada vez mais insegura e desamparada e que é a primeira a sofrer com a crise econômica e a crescente dureza dos dias sem saúde, sem escola, sem serviços básicos, enquanto assiste a um noticiário que é quase todo ele sobre malas de dinheiro da corrupção. Uma população que há anos tem sido treinada por programas policialescos/sensacionalistas na TV que atribuem todas as dificuldades a facínoras à solta, adestrando-a a ver as mazelas da vida cotidiana como culpa de alguém que pode e deve ser eliminado – e não a uma estrutura mais complexa que a mantém cimentada no lugar dos explorados.
As milícias encontraram o canal de comunicação com o medo e com o ódio de uma população acuada e, assim, o inimigo pode ser mudado conforme a conveniência
As milícias compreendem o potencial desse medo e desse ódio. E sabem se comunicar com esse medo e esse ódio. Encontraram o canal, o ponto a ser tocado. Encontrado o canal, o inimigo pode ser mudado conforme a conveniência. Se agora não interessa derrubar o presidente denunciado por corrupção, há que se encontrar um outro alvo para canalizar esse ódio e esse medo e manter o número de seguidores cativos e, de preferência, crescendo, atingindo públicos mais amplos. E, principalmente, manter o valor de mercado das milícias em alta, em especial às vésperas de uma campanha eleitoral das mais imprevisíveis.
Assim, testemunhamos um fenômeno de ilusão na semana passada. O problema do Brasil já não era a desigualdade nem a pobreza que voltou a crescer. Nem mesmo o desemprego. Nem a crescente violência no campo e nas periferias promovidas em grande parte pelas próprias forças de segurança do Estado a serviço de grupos no poder. Nem o desinvestimento na saúde e na educação. Nem a destruição da floresta amazônica e o ataque aos povos indígenas e quilombolas pelos chamados “ruralistas”. Nem projetos que mexem em direitos conquistados na área trabalhista e da previdência sendo levados adiante sem debate por um governo corrupto. Não.
De repente, na semana passada, o problema do Brasil tornou-se, para milhões de brasileiros, a certeza de que o país é dominado por pedófilos e defensores do sexo com animais. Agora, são artistas que devem ser perseguidos, presos e até, como se viu em algumas manifestações nas redes sociais, mortos. E não só artistas, mas também quadros e peças de teatro. O problema do Brasil é que pedófilos querem corromper as crianças e transgêneros querem destruir as famílias.
Assim como pouco antes o problema do Brasil era o fato de os negros, maioria da população, passarem a ter o acesso à universidade ampliado por ações afirmativas. E o problema do Brasil seria uma suposta doutrinação partidária nas escolas – e não a falta de investimento em educação e o salário de fome dos professores e as escolas caindo aos pedaços. Com esse truque de ilusionismo coletivo se desvia da necessidade de mudar algo muito mais estrutural em um dos países mais desiguais do mundo.
O prejuízo causado pelo ataque à exposição é menos a questão da liberdade de expressão e mais o apagamento dos massacres reais
O prejuízo causado pelo ataque à exposição de arte é menos a questão da censura e do cerceamento da liberdade de expressão, como foi colocado por parte dos que reagiram contra o fechamento da mostra, e mais o apagamento que ataques como este ajudam a produzir e a perpetuar. Como o número assombroso de homossexuais assassinados e de estupros de mulheres no país. Para lembrar: segundo o Grupo Gay da Bahia, que documenta a violência produzida por homofobia, só neste ano 251 pessoas foram assassinadas por sua orientação sexual. No ano passado, ocorreram 343 assassinatos. Os crimes por homofobia vêm crescendo: entre 2005 e 2014 foram 2181 homicídios e, apenas entre 2015 e 2017, já são 3093. Em 2014, metade dos casos registrados de transfobia letal no mundo ocorreu no Brasil. Este massacre, este que é real, este que se dá sobre os corpos de pessoas, este não produz nenhum protesto ou comoção.
A cada hora, no Brasil, cinco mulheres são estupradas. Isso significa que, enquanto você lê este texto, pelo menos uma mulher já sofreu ou está sofrendo um estupro. E isso são apenas os casos documentados. A estimativa, segundo estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é de que apenas 10% dos estupros são registrados pela polícia. Assim, o número verdadeiro seria de mais de meio milhão de estupros por ano no Brasil. Este massacre, este que é real, este que se dá sobre os corpos de pessoas, este não produz comoção no país.
Ao denunciar a arte e os artistas como “pedófilos”, o que se produz é o apagamento de um fato bastante incômodo: o de que a maioria das crianças violadas é violada por familiares e conhecidos
Ao denunciar a arte e os artistas como “pedófilos”, o que se produz é o apagamento de um fato bastante incômodo: o de que a maioria das crianças violadas é violada por familiares e conhecidos. Pelo menos um quarto dos casos de violação de crianças tem como autor pais e padrastos. Ocorre, portanto, naquilo que a bancada da Bíblia tenta vender como a única família possível, formada por um homem e por uma mulher.
Essa mesma estratégia faz com que a guerra contra as cotas raciais torne ainda mais invisível o horror concreto: o genocídio da juventude negra e pobre. E o “Escola Sem Partido” desloca o problema real, o desinvestimento na escola pública, justamente a que abriga os mais pobres, para um falso problema, a suposta doutrinação política. E assim, com os males reais sendo invisibilizados e apagados, tudo continua como está. E aqueles que gritam seguem cimentados na mesma posição na pirâmide social.
Para que as milícias sigam arregimentando odiadores é preciso que a compreensão do mundo seja cada vez mais literalizada, por isso é tão importante atingir a cultura, aquela que amplia as subjetividades
O fato de que as mais recentes ofensivas sejam contra a cultura não é um dado qualquer. É também por movimentos culturais surgidos nas periferias do país e apoiados por programas públicos, especialmente nas gestões de Gilberto Gil e de Juca Ferreira, que uma juventude politizada fortaleceu sua atuação. É também nas artes e na literatura que se encontra a maior possibilidade de ampliação das subjetividades. E é a subjetividade que nos ajuda a compreender o mundo em que vivemos para além do que nos é dado para ver.
E isso também não é um detalhe: para as milícias seguirem arregimentando eleitores e odiadores é preciso que a compreensão do mundo siga literalizada – ou seja, sem a possibilidade de recursos como metáforas, ironias e invenções de linguagem. Nesse ritmo, daqui a pouco, quando alguém disser coisas como “boca da noite”, um outro vai rebater com a afirmação de que “noite não tem boca”. É também isso que aconteceu quando muitos olharam para a exposição e só literalizaram o que viram lá, bloqueados em qualquer outra possibilidade de entrar em contato com seus próprios sentidos e realidades inconscientes.
Se os programas policialescos/sensacionalistas colaboraram para a compreensão unidimensional do Brasil, as novas igrejas evangélicas cumpriram o papel de literalizar a linguagem de parte dos brasileiros
Se os programas policialescos/sensacionalistas de TV desempenharam e desempenham um papel fundamental para a compreensão simplista do Brasil e dos problemas do Brasil, ao eleger um “culpado” individualizado, sem tocar em questões de desigualdade racial e social e questões de acesso a direitos básicos como a própria justiça, as igrejas evangélicas neopentecostais cumpriram e cumprem o papel de literalizar a linguagem. Há gerações sendo formadas na interpretação literal da Bíblia, para muitos o único livro que leem. O que milícias como MBL perceberam é a possibilidade de manipular essa mesma matéria-prima, arregimentando massas já bem treinadas em enxergar inimigos e literalizar a linguagem.
Há um ponto nesse episódio que é revelador de onde milícias como MBL querem chegar. É o ponto de encaixe. As milícias sempre vociferaram contra os “vândalos” e “desordeiros” que quebravam fachadas de bancos em protestos contrários à sua bandeira de ocasião. Desta vez, aparentemente investiram contra o Santander, um dos maiores bancos do mundo, ao pregar um boicote. Mas não era contra o Santander, e sim contra o fato de uma exposição que afirmaram ser de “apologia à pedofilia e à zoofilia” ter sido financiada por dinheiro de renúncia fiscal via lei Rouanet. O verdadeiro alvo do ataque é o investimento de dinheiro público em cultura. Se a lei Rouanet tem problemas e pode ser aprimorada, ela significou um investimento importante numa área sempre relegada e que tem sofrido enormemente no atual governo.
Neste ponto, vale a pena perceber quais são os candidatos que apoiam e são apoiados por milícias como o MBL. Em São Paulo, João Doria Jr (PSDB), o político cuja política é se dizer não político. Volta e meia são postadas nos sites das milícias as fotos de Doria serelepando pelo Brasil em seu jatinho particular. Nestes posts, é enaltecido o fato de que ele não gasta dinheiro público para se locomover “a serviço de São Paulo”.
Os milhares que apertam a tecla de “curtir” esse tipo de mensagem podem não perceber que se propagam ali duas ideias que prejudicam a maioria da população: 1) que só ricos podem ser eleitos; 2) que o investimento de dinheiro público é ruim para o Brasil, quando justamente é fundamental para combater a desigualdade e garantir o acesso a direitos básicos que se invista em saúde, educação e transporte público, entre outros temas prioritários. A ideia de que todo investimento público é suspeito ou será desviado para a corrupção é bastante conveniente para políticos e candidatos da política tradicional a serviço do mercado. Quanto menos o Estado atuar e investir em áreas estratégicas para a vida cotidiana e a qualificação da população, há mais espaço para negócios que só crescem pela sua ausência.
Outro exemplo é o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr, também do PSDB, notório apoiador e apoiado pelo MBL. A nota do Santander Brasil foi publicada na página oficial do prefeito, com a afirmação de que “a exposição mostrava imagens de pedofilia e zoofilia”. Horas depois, foi apagada. A milícia desempenhou um papel importante em sua vitória na última eleição. E é para a eleição de 2018 que o MBL vem ensaiando lances cada vez mais ousados, como o da exposição, que pode ter levado alguns de seus apoiadores e apoiados a um afastamento temporário. Mas o que importa é e sempre será o poder das milícias de influenciar eleitores/odiadores.
Um grita: “Pedófilo!”. O outro responde: “Nazista!”. O que muda?
De nada adianta chamar as pessoas que se manifestaram contra a mostra de “ignorantes”, “fascistas” e “nazistas”. É também preciso escutá-los para além do óbvio. E para além do que é dado a ver. Do contrário, aqueles que “entendem a arte” se colocam no melhor lugar para as milícias, o de um polo oposto que iguala a todos no patamar do rebaixamento e produz o apagamento das diferenças. Um grita: “Pedófilo!”. O outro responde: “Nazista!”. O que muda? Se estes são “os que entendem”, há que usar esse entendimento para não fazer o jogo das milícias.
Também não adianta gritar que as pessoas não compreendem o que é arte. Se parte significativa da população não teve e não tem acesso à arte é também porque os privilégios se mantêm intactos neste país graças a muita gente que entende de arte. E nada, muito menos a arte, deve estar protegida do debate. O ataque é abusivo. O debate é necessário.
Há diferenças entre as milícias que lideram os ataques e aqueles que elas conseguem arregimentar para os ataques: é essencial compreender essas diferenças e aprender a dialogar com elas
Há diferenças entre as milícias que lideram os ataques e aqueles que elas conseguem arregimentar para os ataques. É importante compreender essas diferenças e aprender a dialogar com elas. Durante a semana passada, por exemplo, evangélicos replicaram mensagens enviadas por seus pastores contra a mostra e a “apologia à pedofilia”. Mas algumas destas pessoas, com quem conversei, estavam replicando a mensagem ao mesmo tempo que participavam ativamente de debates públicos sobre direitos humanos e maior investimento no SUS. Estas, por exemplo, são pessoas com quem é possível conversar. E este é apenas um exemplo. É um erro confundir os líderes das milícias com aqueles que ocasionalmente lideram. Assim como é um erro colocar o complexo mundo evangélico brasileiro no mesmo escaninho.
A crise, como não custa repetir, é também de palavra. Ou principalmente de palavra. E o esvaziamento das palavras é algo poderoso. Como o “livre” do Movimento Brasil Livre (MBL). Ou como “Escola Sem Partido”, um projeto que toma vários partidos. Mas as palavras que os confrontam já se esvaziaram. Como “fascista”, que já pouco ou nada diz. E agora também “nazista” já se desidrata. Para uma parte significativa da população, os conceitos de “direita” e “esquerda” pouco significam. E “pedófilo” agora pode ser alguém que pintou um quadro. Assim como as gentes na internet vão virando fantasmagorias, as palavras também.
A literalização da linguagem é apenas uma das faces da crise da palavra. Os brasileiros sempre tiveram uma linguagem riquíssima, complexa, de invenção, povoada por subjetividades. Guimarães Rosa, um dos maiores ícones da literatura brasileira, bebeu nesta fonte – e não o contrário. Alguns dos melhores momentos da música brasileira foram paridos por essa inventividade ousada. É o teatro quem tem melhor dado conta do atual momento do Brasil.
É nesta resistência que é preciso apostar. E para isso é preciso investir muito no fortalecimento dos movimentos culturais. E é preciso fazer a disputa também ou principalmente pela linguagem. Quando tantos gritam “pedófilo” é preciso escutar e responder de forma que o diálogo seja possível. Quem ganha com o esvaziamento das palavras já sabemos. Quem perde nem sempre percebe que perde.
Aqueles que investem no terror sabem apenas como começa. Mas como ignoram a história e apostam na desmemória, não aprenderam uma lição básica: quando se manipula medos e ódios, o controle é apenas uma ilusão. Nunca se sabe até onde pode chegar nem como acaba.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum
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Renovação Liberal: 
A associação familiar para onde vai o dinheiro do MBL
Renan Santos, um dos líderes do grupo, e seus irmãos são os associados da entidade que controla os recursos e as doações ao movimento. Família Santos é ré em 125 processos
Kim Kataguiri, Renan Santos e outros membros MBL protestam a favor do impeachment de Dilma, em março de 2016. FOLHAPRESS

O Movimento Brasil Livre (MBL), que surgiu em 2014 carregando a bandeira do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e do combate intransigente à corrupção, se autodenomina uma entidade sem fins lucrativos, segundo consta em sua página no Facebook. Porém, há um lado nebuloso sobre como se organiza e se mantém financeiramente este movimento, que conta com 2,5 milhões de fãs em seu perfil na rede social. Todos os recursos que recebe por meio de doações, vendas de produtos e filiações são destinados a uma "associação privada" — como consta no site da Receita Federal — , chamada Movimento Renovação Liberal (MRL), registrada em nome de quatro pessoas, sendo três deles irmãos de uma mesma família: Alexandre, Stephanie e Renan Santos. Este último é um dos coordenadores nacionais do MBL e um dos rostos mais conhecidos do grupo.
A família Santos responde atualmente a 125 processos na Justiça, relativos a negócios que tiveram antes da criação do MRL. O EL PAÍS teve acesso a estes processos. A maioria é relativa à falta de pagamento de dívidas líquidas e certas, débitos fiscais, fraudes em execuções processuais e reclamações trabalhistas. Juntos, acumulam uma cobrança da ordem de 20 milhões de reais, valor que cresce a cada dia em virtude de juros, multas e cobranças de pagamentos atrasados.
Três membros desta mesma família, além de uma quarta pessoa, aparecem como únicos associados da Renovação Liberal, a entidade privada "sem fins econômicos e lucrativos" que recebe o dinheiro do MBL. Seu estatuto, registrado em cartório em julho de 2014, diz que se trata de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). De acordo com a legislação brasileira, doadores de uma OSCIP podem descontar do Imposto de Renda as colaborações feitas a uma entidade como o MRL.
Até hoje, o Movimento Renovação Liberal não consta no cadastro nacional de OSCIP disponibilizado pelo Ministério da Justiça. Consultando o CNPJ do Renovação Liberal (22779685/0001-59) no site da Receita Federal, o que se encontra é uma associação privada, criada em março de 2015, cuja atividade principal é “serviços de feiras, congressos, exposições e festas”.
Além disso, apenas Stephanie Liporacci Ferreira dos Santos, irmã de Renan Santos, aparece na Receita Federal como presidenta da entidade. Ou seja, o que aparece na Receita não corresponde ao quadro societário que aparece no estatuto da associação. O endereço do Renovação Liberal fica, atualmente, num bairro nobre da zona sul de São Paulo, no mesmo imóvel onde está a sede nacional do MBL. De acordo com fotos e publicações em suas páginas de Facebook, Stephanie mora na Alemanha, onde foi visitada por seus pais e irmãos em julho deste ano.
Segundo Cecília Asperti, advogada e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), o mero fato de que o estatuto social diga que a entidade se trata de uma OSCIP não significa que ela seja uma. “Somente podem qualificar-se como tal as pessoas jurídicas (de direito privado sem fins lucrativos) que tenham sido constituídas e que se encontram em regular funcionamento há, no mínimo, três anos”, afirma Asperti. “Para tanto, é necessário fazer um requerimento perante o Ministério da Justiça observando-se os critérios estabelecidos em lei. Cabe, então, à pasta federal julgar se a associação enquadra-se ou não nos requisitos”, explica a advogada.
O dinheiro doado ou repassado ao MBL é canalizado para o Movimento Renovação Liberal da seguinte maneira: quando alguém doa (e se filia) ao MBL, paga uma taxa por meio de um serviço de internet (PayPal). O dinheiro, então, é direcionado ao CNPJ do Renovação Liberal. Também a venda de artigos vinculados à marca, como bonecos pixulecos, canecas e camisetas, tem os recursos direcionados à entidade de Renan e seus irmãos, como constatou este jornal ao fazer compras na página do movimento.
Imagem de uma compra feita na loja online do MBL. No destaque em vermelho, na parte inferior, o CNPJ do MRL.
Questionado pelo EL PAÍS, o MBL diz que "não se deve confundir" o Renovação Liberal com o grupo. "O MBL é uma associação de fato, que congrega milhares de indivíduos de diversas localidades do país identificados com causas de natureza política, social e econômica. Para não perder sua essência de movimento cívico compreendido como reunião espontânea de pessoas, optou-se por essa formatação. O Movimento Renovação Liberal presta apoio formal ao MBL, por exemplo em relação à realização de eventos", disse nesta sexta-feira, por e-mail. [Veja as respostas na íntegra no box abaixo].
Ausência de prestação de contas
Tanto o MBL quanto a associação Renovação Liberal nunca apresentaram ao público uma prestação de contas. O EL PAÍS questionou o grupo sobre sua arrecadação e recebeu a seguinte resposta: "O MBL é o movimento político mais perseguido do Brasil. E, portanto, como entidade privada, não tornamos público o balanço financeiro, em respeito à privacidade e integridade de nossos colaboradores, membros e doadores". Também não consta no cartório em que a entidade está registrada atas de assembleias gerais ou registro da instituição de um conselho fiscal, contrariando o que está previsto no próprio estatuto do Renovação Liberal — e o que, em tese, prevê a natureza de uma OSCIP.
Os chamados coordenadores nacionais do MBL já foram impelidos em outras ocasiões a apresentar suas contas publicamente por órgãos de imprensa, adversários políticos, simpatizantes e até partidos aliados, mas nunca o fizeram. No dia 22 do mês passado, por exemplo, a Juventude do PSDB-SP — importantes dirigentes deste partido contam com o apoio declarado do MBL para as eleições de 2018 —, divulgou uma nota em que critica a falta de transparência financeira do movimento: “Hoje, o MBL tem sua agenda esgotada, e não se observa mais utilidade a esta organização que, aliás, nunca deixou clara sua origem, seu funcionamento e, principalmente, seu método de financiamento. (...) A Juventude do PSDB do Estado de São Paulo aproveita, ainda, para convidar o Movimento Brasil Livre ao debate honesto e transparente sobre o seu modo de financiamento, desafiando-o publicamente a disponibilizar prestação de contas periódica do movimento”.
A nota acima foi divulgada após a notícia de que o MBL e parlamentares jovens do PSDB estavam ensaiando uma aliança para as eleições de 2018. O EL PAÍS entrou em contato com Juventude paulista do PSDB, que, por meio de sua assessoria de comunicação, confirmou que a nota publicada na imprensa representa o posicionamento do órgão estadual até hoje. Já André Morais, presidente da Juventude Nacional do PSDB, disse à reportagem que respeita a posição da ala paulista da entidade, mas que ela não representa a opinião do órgão nacional. “Temos mais semelhanças do que diferenças com o MBL”, afirmou Morais.
“Agentes da CIA”
A falta de transparência para divulgar suas contas já gerou uma série de teorias sobre quem patrocina o MBL. De testas de ferro da CIA a fantoches dos Irmãos Koch, um grupo empresarial norte-americano que apoiou o presidente Donald Trump nas últimas eleições. Os jovens do grupo não perderam tempo de capitalizar sobre as teses que os cercam para atrair doadores. Os interessados em colaborar com o MBL podem se filiar ao movimento de acordo com diversas escalas de valores, que variam de 30 reais a 10.000 reais. Pelo valor mais baixo, o doador se registra na categoria chamada Agente da CIA. Segundo informa a página cadastral, este plano dá direito a acesso a fóruns de debates, votações em questões internas e participação em sessões de videoconferências. Por 100 reais, é possível tornar-se um doador Irmãos Koch.
Há ainda outras seis categorias, com nomes como Exterminador de Pelegos, Imperialista Yankee e Privatiza Tudo. A filiação premium chama-se I am the 1%e custa 10.000 por mês, teoricamente dando direito à participação em congressos, votações e jantares. Apesar desse controle no número de filiações, o MBL disse o seguinte para o EL PAÍS: "Estamos em 24 Estados da federação e em centenas de municípios. Cada núcleo é independente, não sendo possível afirmar quantos somos".
Além disso, os colaboradores que se filiam não possuem qualquer direito sobre a entidade que controla as finanças do movimento. Conforme consta no estatuto da Renovação Liberal, a entidade possui apenas quatro associados, e somente eles têm direito a voto, cadeiras em assembleias gerais, no conselho consultivo e no conselho fiscal. O Artigo 15 do estatuto (na imagem) prevê que apenas a assembleia geral poderá aprovar a entrada de novos membros. Mas isso jamais foi feito desde que a associação foi fundada, conforme mostram os documentos referentes à entidade, entabulados no 8º Cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo.
Aqueles que são chamados de coordenadores nacionais do MBL, como Kim Kataguiri, Fernando Holiday e o próprio Renan Santos, não foram eleitos por ninguém e jamais poderão ser substituídos em eventual votação dos que supostamente se filiam ao movimento. Tampouco poderão os doadores do MBL votar ou decidir sobre qualquer destinação do dinheiro que o movimento acumula, nem mesmo aprovar suas contas. Tudo isso cabe apenas aos irmãos Santos e ao quarto associado, Marcelo Carratú Vercelino, empresário morador de Vinhedo, no interior paulista.
Problemas na Justiça
Os irmãos Santos e seus pais são alvos de pelo menos 125 processos na Justiça brasileira. Somente em nome de Renan Santos e das empresas familiares de que é sócio, há 16 ações cíveis e mais 45 processos trabalhistas. Ele nega ter agido de má fé em qualquer um desses casos, embora admita as dívidas, fruto, segundo ele, das "dificuldades de ser empresário no Brasil", conforme afirmou ao portal UOL. Em mais da metade das ações judiciais a que respondem, o tempo para Renan e sua família se defender já passou, tornando a dívida líquida, certa e exequível. Esses processos correram à revelia, o que quer dizer que os acusados sequer se deram ao trabalho de defender-se na Justiça. As cobranças estão sendo realizadas pelos tribunais, mas não têm tido resultado, visto que oficiais de Justiça não encontram valores nem nas contas das empresas, nem nas de seus proprietários. Há casos de oficiais de Justiça que foram cobrar Renan e seus irmãos em endereços anunciados como sedes das empresas, mas não encontraram ninguém.
AS RESPOSTAS DO MBL AO EL PAÍS
Pergunta. Qual a relação entre o MBL e a empresa Movimento Renovação Liberal?
Resposta. Antes de tudo há um erro na pergunta: O Movimento Renovação Liberal não é uma empresa, mas sim uma Associação Civil sem fins lucrativos. A relação entre o Movimento Renovação Liberal e o Movimento Brasil Livre precisa ser compreendida a partir da natureza jurídica de cada um deles. Não se deve confundir um com o outro. O MBL é uma associação de fato, que congrega milhares de indivíduos de diversas localidades do país identificados com causas de natureza política, social e econômica. Para não perder sua essência de movimento cívico compreendido como reunião espontânea de pessoas, optou-se por essa formatação. O Movimento Renovação Liberal presta apoio formal ao MBL, por exemplo em relação à realização de eventos, tendo inclusive registrado perante o INPI e cedido o uso da marca MBL, evitando-se que pessoas de má-fé pudessem se aproveitar de todo trabalho realizado por indivíduos que lideram o movimento. Atualmente, os ataques sofridos pelo MBL apenas confirmam o acerto da medida.
P. Quanto o MBL já arrecadou neste ano com a filiação de novos membros e venda de produtos pelo site? E desde sua fundação?
R. O MBL é o movimento político mais perseguido do Brasil. E, portanto, como entidade privada, não tornamos público o balanço financeiro, em respeito à privacidade e integridade de nossos colaboradores, membros e doadores.
P. Quantos membros o MBL possui em todo o Brasil? E só em SP?
R. Estamos em 24 Estados da federação e em centenas de municípios. Cada núcleo é independente, não sendo possível afirmar quantos somos.
P. Vocês estão disputando na Justiça a propriedade do nome e da logomarca do MBL. Por que não conseguiram a propriedade antes?
R. Essa questão é risível. A marca está devidamente registrada e não há qualquer questionamento judicial nesse sentido. MBL tem cara e sempre teve seus líderes, tais como Kim, Holiday e Renan. O resto é papo de oportunista.
FE DE ERRORES
Em uma primeira versão desta reportagem, o EL PAÍS disse que uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) deve prestar contas publicamente todos os anos e ser avalizada pelo Ministério da Justiça. Estas exigências, porém, não constam mais no ordenamento jurídico brasileiro. O texto foi corrigido.

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Pra tentar entender o contexto de uma das exposições no MAM, que vem causando polêmica:

https://revistacult.uol.com.br/home/ivana-bentes-o-corpo-nao-pornografico-existe/

https://www.facebook.com/quebrandootabu/videos/1630405353682512/

E de uma outra forma:

CGI 3D Animated Short HD: "None of That" - by Group Suspific





sábado, 3 de junho de 2017



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