As ruas não eram enfeitadas em finais de ano, por ocasião do
Natal, no início dos anos 60. As casas mantinham as luzinhas acesas tipo
pisca-pisca, um pinheirinho iluminado, uma bota de Papai Noel na porta de casa,
uma guirlanda simples, com algumas pinhas, bolas vermelhas. Algumas delas
tinham lindos presépios que a todos encantavam....e dezembro não tinha esse
calor escaldante.
As pessoas improvisavam algum outro enfeite com aviamentos
comprados na lojinha da D. Malvina, na rua Campinas ou na loja do Tita, na
avenida Ester, em um tempo em que não havia lojas de $1,99.
A missa do Galo era um ritual imperdível. Depois seguíamos
pra minha avó Dinorah. Marcaram os presentes da Estrela, da loja de brinquedos
da minha madrinha Tia Terezinha, a alegria das ceias, a reunião com todos os
parentes, a comilança à mesa sempre farta, diante da qual adultos não discutiam
sobre negócios, dietas, crises, fatalidades nem deixavam transparecer pra nós
quaisquer resquícios de tristeza, saudade, aborrecimento...nas nossas festas,
principalmente nessas ocasiões, tinham canções da jovem-guarda à bossa-nova,
trilha sonora vinda da vitrola, comandada pelo tio José Honorato que após os
“embalos”, contava-nos longas histórias, fazendo-nos "viajar" através
delas, abrindo as janelas de nossa imaginação, povoando nossos sonhos no sono
que vinha sereno, reconfortante.
Amanhecíamos com o leite deixado pelo leiteiro à porta de
nossas casas, que vinha em uma carroça sacolejante...
Nossos ídolos não morriam tão jovens...nossos heróis estavam
vivos, presentes, atuantes, sábios. E nos passavam segurança emocional, amor
incondicional, estabilidade e...limites!
Naquela época não se falava tanto quanto hoje em Jesus, nem
havia proliferação de religiões, templos, igrejas... Mas sabíamos no nosso dia
a dia o sentido da fé, do amor, da paz, da solidariedade, da compaixão que
tanto Ele pregou um dia.
Crianças não podiam escutar conversa de adulto, crianças
entendiam o olhar de censura dos pais e em questão de segundos e, sem a
necessidade de palavras, se “aprumavam”...crianças não podiam tudo, crianças
seguiam os “ códigos” do bom comportamento, crianças eram ...crianças.
Os mais velhos eram extremamente valorizados e tinham
privilégios do tipo escolherem a melhor parte de qualquer assado da ceia... Os
mais velhos não se embebedavam na nossa frente nem discutiam seus
relacionamentos nem relacionamentos alheios.
Alguém sempre fazia uma oração ao menino Jesus na ceia de
Natal e um agradecimento ao Papai do Céu pela fartura, saúde e dinheiro no
bolso pelo ano que findava e para o que se iniciava, não sem antes passarmos
pelas romãs e lentilhas, claro! E todos entoavam "Adeus Ano Velho, Feliz
Ano Novo" a plenos pulmões, vendo o sol raiar cheios de esperança e
alegria - sem grandes bebedeiras, sem grandes tumultos, tragédias ou violência
- , junto a lindos fogos coloridos adquiridos com a saudosa e inesquecível D.
Mercedes Miguéis.
Nessa cidadezinha todos se conheciam, todos se queriam muito
bem, todos se “misturavam” alegremente, todos eram amigos ... o ar que
circundava a cidade era mágico. Pessoas se cumprimentavam umas as outras
indistinta e respeitosamente e longas conversas se estendiam nas casas, nas
calçadas, nas ruas, nas esquinas, nos bares, nas praças da Matriz e do Coreto,
na sorveteria, no clube. Não havia pressa, o progresso caminhava a passos
lentos, a palavra estresse não constava nos dicionários ainda, ela não existia
para aquelas pessoas.
Não se discutia o “ser ou ter”. Apenas se vivia - e muito
bem vivida - uma vida tangida por acordes harmoniosos que só uma cidadezinha
pacata e totalmente do bem tem.
A avenida principal ainda era de terra no auge dos meus seis
anos - as luzes dos postes eram alaranjadas- e, nessa avenida, passeávamos com
nossos pais, principalmente nos finais de semana, quando tomávamos sorvete de
groselha no Bar Ideal, comprávamos doces de coração no bar do Banjo ou
passávamos no restaurante do Arnaldo pra tomar Sodinha e comer carne no palito(
contrafilé na chapa). Havia uma parada na farmácia do Sr. Jacinto e D. Chiquinha,
logo após na loja de armarinhos da família da D. Onélia Kalil e uma última já
na rua Campinas, no armazém do Sr. Lourenço Trevenzolli para uma boa conversa.
Sem contar as “paradas” com o Sr. Vicente Morelli e Sr. Armando Mora(ambos
sapateiros), com o João, o Pedro Bratifich e o Pirtas (ambos açougueiros), Dona
Tonica, Hermínio Campos, Toninho Conservani, Emílio Balloni, Massud, Carlito
Botcher, Amadeu Grassi, Guido Longuin, Constantino Coutsoukos, Cabo Cruz, Vô
Nato e por aí vai...e haja histórias! quaaantas guardo comigo!
Os homens bem mais velhos usavam chapéu, as mulheres rouge.
Lá, os ladrões eram quixotescos (êta Silas!) e os jovens pareciam ser ainda
mais sonhadores e idealistas.
Minha cidade tinha espírito natalino todos os dias, minha
cidade era um salpicar de cores, de cheiros, de sabores e de pessoas adoráveis,
tipos realmente inesquecíveis!
(...)
Hoje, Cosmópolis não é apenas um quadro estático pendurado
na parede de casa, nem só mais uma foto no Facebook. A imagem dela está cravada
em meu peito, em minhas retinas.
Minha cidade é o meu “Cosmos”... minha memória, minhas
raízes, minhas lembranças, minha consciência: de onde vim, quem sou, para onde
irei.