Rosana Gimael Blogueira

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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Sobre uma época em Cosmópolis




As ruas não eram enfeitadas em finais de ano, por ocasião do Natal, no início dos anos 60. As casas mantinham as luzinhas acesas tipo pisca-pisca, um pinheirinho iluminado, uma bota de Papai Noel na porta de casa, uma guirlanda simples, com algumas pinhas, bolas vermelhas. Algumas delas tinham lindos presépios que a todos encantavam....e dezembro não tinha esse calor escaldante.

As pessoas improvisavam algum outro enfeite com aviamentos comprados na lojinha da D. Malvina, na rua Campinas ou na loja do Tita, na avenida Ester, em um tempo em que não havia lojas de $1,99.
A missa do Galo era um ritual imperdível. Depois seguíamos pra minha avó Dinorah. Marcaram os presentes da Estrela, da loja de brinquedos da minha madrinha Tia Terezinha, a alegria das ceias, a reunião com todos os parentes, a comilança à mesa sempre farta, diante da qual adultos não discutiam sobre negócios, dietas, crises, fatalidades nem deixavam transparecer pra nós quaisquer resquícios de tristeza, saudade, aborrecimento...nas nossas festas, principalmente nessas ocasiões, tinham canções da jovem-guarda à bossa-nova, trilha sonora vinda da vitrola, comandada pelo tio José Honorato que após os “embalos”, contava-nos longas histórias, fazendo-nos "viajar" através delas, abrindo as janelas de nossa imaginação, povoando nossos sonhos no sono que vinha sereno, reconfortante.

Amanhecíamos com o leite deixado pelo leiteiro à porta de nossas casas, que vinha em uma carroça sacolejante...
Nossos ídolos não morriam tão jovens...nossos heróis estavam vivos, presentes, atuantes, sábios. E nos passavam segurança emocional, amor incondicional, estabilidade e...limites!
Naquela época não se falava tanto quanto hoje em Jesus, nem havia proliferação de religiões, templos, igrejas... Mas sabíamos no nosso dia a dia o sentido da fé, do amor, da paz, da solidariedade, da compaixão que tanto Ele pregou um dia.

Crianças não podiam escutar conversa de adulto, crianças entendiam o olhar de censura dos pais e em questão de segundos e, sem a necessidade de palavras, se “aprumavam”...crianças não podiam tudo, crianças seguiam os “ códigos” do bom comportamento, crianças eram ...crianças.
Os mais velhos eram extremamente valorizados e tinham privilégios do tipo escolherem a melhor parte de qualquer assado da ceia... Os mais velhos não se embebedavam na nossa frente nem discutiam seus relacionamentos nem relacionamentos alheios.

Alguém sempre fazia uma oração ao menino Jesus na ceia de Natal e um agradecimento ao Papai do Céu pela fartura, saúde e dinheiro no bolso pelo ano que findava e para o que se iniciava, não sem antes passarmos pelas romãs e lentilhas, claro! E todos entoavam "Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo" a plenos pulmões, vendo o sol raiar cheios de esperança e alegria - sem grandes bebedeiras, sem grandes tumultos, tragédias ou violência - , junto a lindos fogos coloridos adquiridos com a saudosa e inesquecível D. Mercedes Miguéis.
Nessa cidadezinha todos se conheciam, todos se queriam muito bem, todos se “misturavam” alegremente, todos eram amigos ... o ar que circundava a cidade era mágico. Pessoas se cumprimentavam umas as outras indistinta e respeitosamente e longas conversas se estendiam nas casas, nas calçadas, nas ruas, nas esquinas, nos bares, nas praças da Matriz e do Coreto, na sorveteria, no clube. Não havia pressa, o progresso caminhava a passos lentos, a palavra estresse não constava nos dicionários ainda, ela não existia para aquelas pessoas.

Não se discutia o “ser ou ter”. Apenas se vivia - e muito bem vivida - uma vida tangida por acordes harmoniosos que só uma cidadezinha pacata e totalmente do bem tem.
A avenida principal ainda era de terra no auge dos meus seis anos - as luzes dos postes eram alaranjadas- e, nessa avenida, passeávamos com nossos pais, principalmente nos finais de semana, quando tomávamos sorvete de groselha no Bar Ideal, comprávamos doces de coração no bar do Banjo ou passávamos no restaurante do Arnaldo pra tomar Sodinha e comer carne no palito( contrafilé na chapa). Havia uma parada na farmácia do Sr. Jacinto e D. Chiquinha, logo após na loja de armarinhos da família da D. Onélia Kalil e uma última já na rua Campinas, no armazém do Sr. Lourenço Trevenzolli para uma boa conversa. Sem contar as “paradas” com o Sr. Vicente Morelli e Sr. Armando Mora(ambos sapateiros), com o João, o Pedro Bratifich e o Pirtas (ambos açougueiros), Dona Tonica, Hermínio Campos, Toninho Conservani, Emílio Balloni, Massud, Carlito Botcher, Amadeu Grassi, Guido Longuin, Constantino Coutsoukos, Cabo Cruz, Vô Nato e por aí vai...e haja histórias! quaaantas guardo comigo!

Os homens bem mais velhos usavam chapéu, as mulheres rouge. Lá, os ladrões eram quixotescos (êta Silas!) e os jovens pareciam ser ainda mais sonhadores e idealistas.
Minha cidade tinha espírito natalino todos os dias, minha cidade era um salpicar de cores, de cheiros, de sabores e de pessoas adoráveis, tipos realmente inesquecíveis!
(...)
Hoje, Cosmópolis não é apenas um quadro estático pendurado na parede de casa, nem só mais uma foto no Facebook. A imagem dela está cravada em meu peito, em minhas retinas.

Minha cidade é o meu “Cosmos”... minha memória, minhas raízes, minhas lembranças, minha consciência: de onde vim, quem sou, para onde irei.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

ESTRELA CADENTE




Procuro vc no verde no azul nas cores
Do verão.
Ouço vc me chamando em paragem distante
De mim.
Sua presença é latente
E exala o seu calor             
De amor.
Olho pros lados na vã tentativa
De encontrá-lo.

O chafariz de casa tá seco
Minha boca meus olhos também.
O jardim dá sinais de total abandono
O sofá da sala imprimiu vc
Teu cheiro impregnou a casa
Os lençóis
A cama.
Tudo aqui lembra  vc.   
                                                                    
Olho pra todos os lados
E vem a sua risada
Suas palavras na calada noite.                                      
O nosso banco na praça
Está sempre vazio
A nossa música não toca mais
No coreto
Nem nas rádios.

Olho pro céu
Ali no firmamento deparo-me com uma estrela cadente
Faço um pedido
Sinto coração e corpo estremecerem de alegria
Nossas almas se reconhecem a distância!
Então, ali no cair da madrugada
No vazio do silêncio abstrato
De uma ausência sentida
Tenho resposta.

Sei que  um dia
Nos  encontraremos
E juntos olharemos pra cima.
Então veremos estrelas cadentes
Prenunciando um novo tempo.
Lá do alto virá a resposta.

E em noite estrelada e abismal
Entrelaçados, ouviremos  ressoando
Em nossos corações
A antiga canção em  nova roupagem
Dizendo
“Que ainda é meu o seu amor”!


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O AMOR EM TEMPOS DE INTERNET



Ela procurava um arquivo no Pc de cujo nome não se lembrava de como salvara,  com o objetivo de complementar um trabalho de pesquisa.
Clicou em uma palavra-chave na possibilidade de abri-lo. Apareceram vários arquivos  com o mesmo nome. Ela escolheu aleatoriamente um deles e eis que surge um “fatídico”, contendo uma conversa que a fez quase perder o fôlego. Era um bate-papo do parceiro dEla com outra. Aprendera, desde sempre, a não abrir correspondências nem se apropriar de nada que não fosse seu, que não lhe  dissesse respeito. Mas algo mais forte, que não sabia definir,  a impelira a continuar e a continuar lendo.

E ali, na tela, confrontou-se com muitos diálogos; foram muitas conversas com várias outras mulheres. Não eram conversas apimentadas, eram conversas românticas, com  uma  certa profundidade, entusiasmantes, lindas, algumas com certa pieguice, até ridículas – “cartas de amor são ridículas. Não seriam de amor se não  fossem ridículas”, diria o heterônimo Álvaro de Campos, de Pessoa -pensava agora.   A vista se turvara, à medida que se concentrava na leitura.
Estava com Ele há três anos. Eles tinham, aparentemente, tudo a ver um com o outro. Ele era companheiro, parceiro em tudo que  faziam, romântico, apaixonado, sempre se esmerando em cuidados e carinhos com Ela. Ela vinha de um relacionamento conturbado, achava que já não seria mais capaz de amar alguém. Havia deixado claro isso quando  Ele, entusiasmado, aproximara-se dEla.

Tanto Ela quanto Ele  prezavam a liberdade, simpatizavam com a possibilidade de um relacionamento aberto, jogavam limpo um com o outro, conversavam horas sobre tudo, tinham trajetória de vida bastante parecidas. Ambos tinham em  torno de quarenta anos,  vinham de relacionamentos que não haviam dado certo. Ambos com filhos. Ambos dispostos a recomeçarem,  com projetos e sonhos parecidos. Ambos com a mesma sintonia em tudo. E  tinham a bendita afinidade de pele, de cheiro. Ele parecia mais apaixonado que Ela, embora Ela já se   sentia  pertencida a Ele, que soube conquistá-la com o tempo, com toda a paciência e  carinho do mundo.
Tinham Faces  separados, a pedido dela que priorizava a individualidade, ao que Ele rebatia, insistindo até em lhe passar o seu Login, o que Ela  sempre rejeitara . Ela levantava a bandeira da liberdade sempre!

E agora Ela ali, paralisada, vista turva, corpo mole, aperto no coração.  Não conseguia sair de frente da tela, não tinha forças para isso..”.O que os olhos não “leem” o coração não sente...saia daqui enquanto há tempo”...a vozinha sábia da intuição gritava-lhe incessantemente.
E quanto mais lia, mais queria  ler...Então algo estaria errado. Eles não estavam bem. No fundo talvez soubesse que Ele a percebera sempre  menos disponível nos sentimentos  para com Ele. Pelo horário das conversas dEle, pelo comportamento dela naquele momento, pelos sentimentos confusos agora, tudo poderia  denunciar  falhas nesse relacionamento, aparentemente estável, com uma certa cumplicidade gostosa. Não, Ela não se sentiria culpada, sentimento tão comum entre as mulheres em uma situação dessas.  Mas Ela não era esse tipo de mulher. Não meeesmo. Era moderna,  arrojada,”cabeça” demais pra essas  frivolidades, pras essas trapaças (artimanhas!)  do coração.
IMAGENS GOOGLE

Quando deu por si, percebera que aquilo já havia lhe consumido. Enveredara-se para o precipício. Esta era a verdade.
Foram horas, dias vasculhando as conversas  e, à medida que Ele a olhava dizendo o quanto a amava, estranhando a mudança súbita dEla para com Ele,  Ela o rebatia, já um tanto descompensada, tentando uma possível resposta para aquilo tudo, ironizando-o, instigando-o a falar sobre  aquele comportamento, corroída por sentimentos torpes, dignos de uma análise Machadiana. Não poderia lhe dizer sobre esse seu deslize de vasculhar a privacidade alheia. Torturava-se por isso, não era da sua personalidade ser assim, invasiva, nunca! Não havia culpados. Não haveria cobranças. Mas nada poderia ser como antes. Ela já não o enxergava como outrora. A admiração que nutria por Ele tinha ido para o ralo.

Antes fossem conversas apimentadas - seria normal para Ela se tivessem esse teor...homens são  vulneráveis a isso – pensava agora, mais atormentada do que nunca. Não eram. E as personagens ali, naquelas conversas, eram de todos  os tipos, de longa data e recentes, paralelas a outras.  A todas as mulheres, Ele fazia  juras de amor, planejava  coisas em comum, inclusive filhos. Conversas cheias de comprometimento, correspondidas por todas elas, longas conversas em horários distintos, com  uma  certa intimidade comovente, envolvente, eloquente. A todas se dirigia com “Oi, meu amor!”, dentre tantos outros vocativos surpreendentemente românticos.

Começara a evitá-lo, após todas as tentativas de tirar dEle uma certa verdade. Sempre fora segura de si, sempre abominara esse tipo de relação, de comportamento que desequilibrava os parceiros, que confundia sentimentos, que aprisionava, sufocava.  Ambos eram pessoas esclarecidas, maduras, abertas...e por que isso agora? Por que Ele não se abriria sobre isso?
E por que Ele deveria se abrir? Qual seria o conceito desse suposto amor? Seria apenas ego ferido? Uma suposta tentativa de se apossar do outro? Ridículo. Muito ridículo tal sentimento.

Um dia desvencilhou-se da tormenta. Acordou,  olhando para Ele com grande docilidade. Tratou-o como antigamente.
Produziu-se  no estilo “vestida para matar”, como há muito não o fazia.  Dissera-lhe, sob o olhar deslumbrado, confuso  e inquisidor  dEle, que iria ao supermercado e já voltaria.
Passou a tarde com um lindo rapaz que sempre a rodeava, sempre “babando” por Ela, sempre a cercando de atenções e elogios. Chegou  a  casa horas depois, olhos brilhantes, cantarolando, feliz.
Sentia-se “ vingada”.
(...)

Mal sabiam Eles que estavam enganando a si mesmos, não sendo tão parceiros como pensavam, não sendo leais consigo mesmos, confundindo sentimentos, tão ausentes do diálogo, dos verdadeiros sentimentos, tão fragilizados um com o outro. Tão  solitários, tão desvinculados um do outro!