Rosana Gimael Blogueira

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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Família é sempre bonita em álbum de retrato



O
 desânimo havia tomado conta, depois de ela ter perdido o celular, moderníssimo, comprado a prestações. Depois veio a  avó, atazanando as suas ideias, falando  mal de sua mãe, comparando-a com ela, claro, com o  lado  mais sombrio dela.  A avó sabia bem como transformar um dia possível em um dia impossível de se viver em harmonia , ao despejar as mágoas em relação à filha pra cima da neta.   Para completar, tinha visto o menino, por quem se  interessava , de mãos dadas com outra garota.
É, o mar realmente não estava pra peixe. Mas ela tirou forças, naquele momento, pra fazer o que tinha que ser feito, a tarefa que lhe cabia: lavar as suas roupas.
Sua mãe a abandonara e fora embora com um namorado bem mais novo. O pai, ela não o conhecera, morrera quando ela tinha dois anos de  idade...enfarte fulminante quando assistia a uma partida de decisão de  um clássico do futebol, FlaFlu. 
Tinha ela  dez anos quando foi morar com os avós maternos, donos de uma mercearia.  Não podia reclamar da vida; a despeito da mãe e  das rabugices da avó, tinham uma vida até legal, moravam num bairro bom, perto da praia. Os conflitos existiam e nessa sua família, cercada de tios e primos, pôde conhecer sentimentos  diversos: inveja, ciúme, rejeição, solidão, competição, falsidade - algumas ciladas da vida, dentro da própria família.  Não guardava mágoa, carregava apenas  uma  certa tristeza na alma que ela conseguia driblar, ocupando-se  com coisas que lhe davam alegria, sempre!
Contava ela agora com  17 anos, cursava o Ensino Médio de manhã e, três  tardes  por semana, cuidava   de uma criança de 6 anos – adorava crianças!- , filha de uma amiga da avó. À noite, fazia cursinho para o vestibular, graças a uma bolsa da Prefeitura local – queria cursar  Comunicação. Sonhava sair da cidadezinha um dia, morar sozinha, ter  uma  outra vida. Queria ver outras coisas, descobrir o mundo. E, principalmente, sonhava,  um dia,  reencontrar a mãe.
Naquele dia, acordara  de mal com ela mesma. Cheia de espinhas, menstruada, cabelos horríveis.  Pensava ..."um dia vou procurar  um  médico moderno, como  o tal  Eusimar Coutinho, vou ter dinheiro   suficiente pra não mais querer sangrar todos os meses" rsrs...Ela ficou sabendo do tal médico, assistindo ao programa de variedades, em cuja entrevista ele discorria sobre a técnica adotada por ele de interromper a menstruação e os benefícios para a mulher ao optar pelo  método:  uma vida muito mais saudável e feliz. A avó lhe dizia que não se  deve contrariar as leis da natureza, que isso não era de Deus  etc e tal.
 E ela continuava com os seus “planos” que também incluíam uma ida a uma dermatologista famosa, a tal Villarinho, de São Paulo.
Aí, sim, estaria pronta pra  abafar...livre das “regras “ – e de uma gravidez indesejada, segundo ela -, da acne, da caspa, dos cabelos sem um bom corte...e se tornaria uma diva, pronta pra arrasar junto a um “boy magia”, cheio de encantos, paparicos, um príncipe "montado" na grana.
Mais pra frente, talvez passasse por uma lipo pra eliminar o pneuzinho  que insistia em sair pra fora do jeans de cintura baixa, quase no quadril.
Agora, enquanto estendia as  roupas ,naquela  tarde de sol quente e vento nordeste, imaginava lindas roupas novas substituindo as suas já muito "usadas", feitas por sua avó, também exímia costureira, porém de gosto aposto ao dela. Sonhava com um diploma, um bom trabalho, pequenos luxos, sua independência financeira, baladas nas noites quentes da capital...
Um assovio vindo do portão a desconcentrara dos seus devaneios. William, 18 anos, o colega de cursinho, chamava-a insistentemente para a realidade. Moço lindo, dentes de artista, corpo de Apolo,  de família boa, inteligente, pretendente perfeito pra ela não fosse ele gay. Poderia ser um ótimo amigo, apenas. Vinha abraçado a um livro, *De Profundis, de um tal Oscar Wilde. Ela quis perguntar o significado do título , mas achou irrelevante naquele momento, mesmo por que ele iria divagar e divagar e desconcentrá-la de sonhar. O propósito da sua vinda até a casa dela era convidá-la pra uma palestra sobre Sustentabilidade, sugerido por uma professora de Ciências.Eles tinham que se inteirar  sobre os possíveis temas mais abrangentes das provas discursivas do Vestibular. Ela ficou de pensar e daria a resposta  a ele logo mais...
Ele a elogiou, achara-a mais  bonita...ela relevou. Pra ela,  o elogio dele não servia  pra “engordar” a sua autoestima.
Despediu-se dele, retornando ao quintal. Acabara a tarefa.  Pegou a mangueira de água pra se refrescar do calorão.
Deu ração à cadela  Fany, com a qual brincou por alguns momentos, colocou o CD da sua Amy ...dançou  frente ao espelho da sala a música Valerie,  a sua preferida, por  bons e longos momentos e viajou. Viajou, sonhando sonhos possíveis pra ela.
Não pensava agora  no garoto que um dia gostou muito, na “pegação de pé” da  avó, no celular perdido..pensava apenas em  aproveitar cada momento pela frente.
Olhou para o retrato da mãe na estante. Como era linda! Como ela era diferente da mãe! Admirava a coragem dela. Não guardava mágoas, mas sentia uma falta  imensa daquela mulher ...na maneira que penteava os seus cabelos, nos afagos, no jeito que a mãe a olhava, na voz  dela, terna,  a contar-lhe  histórias, no bolinho de arroz que só ela sabia fazer, no bolo de chocolate cheiiinho de granulados todo santo domingo, sobre o fogão.
Na foto, a mãe  sorria, envolvida pelos avós, por ela, pelos tios. Usava um vestido de renda branca, o mesmo  vestido  quando a viu pela última vez e dela recebeu um longo e envolvente abraço.
Dolorida lembrança. Apenas pensava...Família é sempre bonita em álbum de retrato. Virou a foto pra baixo, saiu da sala e voltou para o quintal. Queria surfar, não podia. Tinha uma vontade imensa  agora de pegar o tabletão de chocolate  bem guardado ( escondido!) e devorá-lo, mas lembrou-se das espinhas e do pneu na cintura. Freou bravamente os impulsos.
Olhou pra longe, avistou a imensidão do céu anil, o horizonte de sonho, pegou uma manga do pé e disparou a  correr atrás da Fany, a sua melhor companheira, a amiga de todas as horas.
Deletou a tristeza, afugentando qualquer tipo de  mau sentimento.  E apenas disse a si mesma que se ocuparia em ser feliz.  





*De Profundis é o título de uma obra de Oscar Wilde, escritor irlandês, de 1897, que toma a forma de uma longa e emocional epístola épica ao seu amante Alfred Douglas, escrita na prisão de Reading, onde cumpria pena de prisão por comportamento indecente e sodomia.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

UM AMOR PLATÔNICO









Quem, algum dia, não alimentou (ou "ruminou"?) um amor platônico?
Quem, algum dia, não sonhou acordado,quem não teve suas mais secretas paixões, fantasias ou seja lá o que for por alguém inacessível?
Pois bem, um dia sucumbi a esse tal sentimento por um tal homem muito especial.
Era menina ainda quando o conheci...grande amigo de meu pai.
Ficaram sensações represadas.
Ficaram lembranças lindas.
Ficou a inspiração.
Ficaram as palavras....despejadas há tempos atrás.
(...)




Estar em contato com você ...



É "incorporar" algo de Fellini e Almodóvar .

É uma terapia -Jung e Lacan, juntos, não dariam conta.

È alegria de infância remota, frio na barriga de primeiro beijo, excitação de primeiro amor, turbulência de primeira paixão, alento de bem-querer, sensações intrigantes, fantasias de menina´- mulher, aprendizado, uma viagem ao tempo, descobertas.
É falar o que sinto, sem disfarces, e sentir coisas inexplicáveis.
É imaginar o inimaginável, pensando ser possível.
É ir em busca de Moinhos de Vento.
É querer apenas vê-lo, senti-lo ou amá-lo como se fosse a última vez...ou a primeira de muitas outras que se seguiriam, quem sabe?
É querer fazê-lo a pessoa mais feliz do planeta, sem nada em troca... talvez por um dia, por uma noite, pra vida toda ou fazer deste sonhado momento uma “eternidade fugaz”.
É querer ficar por perto de você, nos seus altos e baixos.
È querer me embriagar sempre de suas palavras como se fossem elas um delicioso vinho de bouquet denso, eterna fonte de prazer.
É um querer-bem infindável.
È estar de mãos dadas, pra sempre entrelaçadas.
É TEADORAR eternamente...sentindo seu cheiro, seu abraço.
É te mostrar todo o meu Oriente, todos os mistérios de um amor, paixão, admiração ou a mistura disso tudo, contido há séculos.
É querer ouvir Love me Tender no escurinho do cinema, grudada em você.
È ouvir Robertão de 30 anos atrás ( O Portão) e chorar...”Eu voltei agora pra ficar, porque aqui, aqui é meu lugar”...
É ser repetitiva e repetitiva e repetitiva como uma “velha coroca”.
É ficar desconectada do mundo real e simpatizar apenas com a ficção, com a fantasia.
É escrever desenfreadamente, sem reler nada.
È tomar banho de cachoeira imaginando estar ao seu lado.
É ouvir Jazz, Blues ou o melancólico Chopin e viajar com vc, em meu pensamento, por lugares indescritíveis.
É querer chutar tudo pro alto e seguir minha intuição ou o nonsense.
É querer te esperar eternamente.
É querer te ouvir incessantemente.
É ser meio besta, atrevida, insolente... é jogar os bons modos pro espaço.
É enxergá-lo não mais como um “mito”.
É ser eu mesma sem me importar, agora, com mais nada.
È querer a toda hora que venha, venha, venha e venha...
É querer ardentemente que arrebente esse seu maldito aquário e que se liberte de tudo o que te aprisiona.
É querer ser sua gueixa e deixá-lo entregue nos meus braços, redoma de paz.
É querer te apontar uma nova direção.
È querer fazer uma imensa horta junto com você, cheinha de temperinhos -ervas de “Provence”.
È querer tirar uma foto abraçadérrima com vc embaixo de um ipê rosa, roxo ou amarelo.
É querer continuar dormindo de janela aberta, vendo e ouvindo estrelas.
É querer chupar jabuticabas no pé.
È amanhecer encantada com a vida.
É querer lhe fazer cafuné, massagens relaxantes ou nem tanto e “comidinhas pra depois do amor”, como diria Vinicius.
É tomar garapa acompanhada de pastel de queijo.
É ver o pôr do sol deitada no teu peito.
É sentir o silêncio de uma boa pescaria.
É ser sua Odalisca em “sonhos de uma noite de verão”.
É pegar uma longa estrada, em noite de lua cheia, sem hora pra chegar ou voltar.
É ouvir Summertime na voz de Janis Joplin e querer te encher de beijos e beijos e beijos.
É ouvir Atrás da porta da Elis e “querer debruçar-me sobre o teu corpo, reclamando o teu carinho baixinho...te adorando pelo avesso...até provar que ainda sou sua...”
É querer voltar no tempo pra ficar embaixo da mesa da minha mãe reparando em seus lindos sapatos.
È querer te fazer ter menos sono e mais sonhos, muuuuiiiiitos... interessantes e lindos sonhos.
È querer recompensá-lo por ter preenchido docemente minhas fantasias, protagonista de meus deliciosos e tresloucados devaneios juvenis.
È querer dançar um bolero olho no olho.
È querer que “apenas soubesse que aquela alegria ainda está comigo, e que a minha ternura não ficou na estrada, não ficou no tempo, presa na poeira, que esta menina hoje é uma mulher e que esta mulher é uma menina que colheu seu fruto, flor do seu carinho, e que a atitude de recomeçar é todo dia , toda hora, que não teme o corte de novas feridas e que tem a saúde da vida”...
É querer te ajudar a recolher os cacos velhos do caminho e transformá-los em um lindo “castelo” bem-assombrado ou, no mínimo, bem-ensolarado.