A partir de segunda-feira (18), o Brasil não terá mais
governo. Na democracia, o que diferencia um governo do mero exercício da força
é o respeito a uma espécie de pacto tácito no qual setores antagônicos da
população aceitam encaminhar seus antagonismos e dissensos para uma esfera
política. Esta esfera política compromete todos, entre outras coisas, a aceitar
o fato mínimo de que governos eleitos em eleições livres não serão derrubados
por nada parecido a golpes de Estado.
É claro que há vários que dirão que o impeachment atual não
é golpe, já que é saída constitucional. Nada mais previsível que golpe não ser
chamado de golpe em um país no qual ditadura não é chamada de ditadura e
violência não é chamada de violência. No entanto, um impeachment sem crime, até
segunda ordem, não está na Constituição. Um impeachment no qual o
"crime" imputado à presidenta é uma prática corrente de manobra fiscal
feita por todos os governantes sem maiores consequências, sejam presidentes ou
governadores, é golpe. Um impeachment cujo processo é comandado por um réu que
toda a população entende ser um "delinquente" (como disse o
procurador-geral da República) lutando para sobreviver à sua própria cassação é
golpe. Um impeachment tramado por um vice-presidente que cometeu as mesmas
práticas que levaram ao afastamento da presidenta não é apenas golpe, mas golpe
tosco e primário.
Temer agora quer se apresentar como líder de um governo de
"salvação nacional". Ele deveria começar por responder quem irá
salvar o povo brasileiro dos seus "salvadores". Seu partido, uma
verdadeira associação de oligarquias locais corruptas, é o maior responsável
pela miséria política da Nova República, envolvendo-se até o pescoço nos piores
casos de corrupção destes últimos anos, obrigando o país a paralisar todo
avanço institucional que pudesse representar riscos aos seus interesses locais.
Partido formado por "salvadores" do porte de Eduardo Cunha, Renan
Calheiros, José Sarney, Sérgio Cabral e, principalmente, o próprio Temer. Pois
nunca na história da República brasileira houve um vice-presidente que
conspirasse de maneira tão aberta e cínica para derrubar o próprio presidente
que o elegeu. Em qualquer país do mundo, um político que tivesse
"vazado" o discurso no qual evidencia seu papel de chefe de
conspiração seria execrado publicamente como uma figura acostumada à lógica das
sombras. No Brasil de canais de televisão de longo histórico golpista, ele é
elevado à condição de grande enxadrista do poder.
Mas não havia outra chance para tal associação de oligarcas
conspiradores. Afinal, eles sabem muito bem que nunca chegariam ao poder pela
via das eleições. Esta Folha publicou pesquisas no último domingo que
demonstravam como, se a eleição fosse hoje, Lula, apesar de tudo o que ocorreu
nos últimos meses, estaria à frente em vários cenários, Marina em outros. O
eixo central da oposição golpista, a saber, o PSDB, não estaria sequer no
segundo turno. Temer, que deveria também ser objeto de impeachment para 58% da
população, oscilaria entre fantásticos 1% e 2%. Estes senhores, que serão
encaminhados ao poder a partir de segunda-feira, têm medo de eleições pois
perderam todas desde o início do século. Há de se perguntar, caso fiquem no
poder, o que farão quando perceberem que poderão perder também as eleições de
2018.
Os que querem comandar o país a partir de segunda-feira
aproveitam-se do fato de o país estar em uma divisão sem volta. Eles governarão
jogando uma parte da população contra a outra para que todos esqueçamos que, na
verdade, são eles a própria casta política corrompida contra a qual todos
lutamos. Diante da crise de um governo Dilma moribundo, outras saídas, como
eleições gerais, eram possíveis. Elas poderiam reconstituir um pacto mínimo de
encaminhamento de antagonismos. Mas apelar ao poder instituinte não passa pela
cabeça de quem sempre sonhou em alcançar o poder por usurpação.
Diante da nova realidade que se anuncia, só resta insistir
que simplesmente não há mais pacto no interior da sociedade brasileira e que
nada nos obriga à submissão a um governo ilegítimo. Nosso caminho é a
insubmissão a este falso governo, até que ele caia. Este governo deve cair e
todos os que realmente se indignam com a corrupção e o desmando devem lutar sem
trégua, a partir de segunda-feira, para que o governo caia e para que o poder
volte às mãos da população brasileira. Àqueles que estranham que um professor
de universidade pública pregue a insubmissão, que fiquem com as palavras de
Condorcet: "A verdadeira educação faz cidadãos indóceis e difíceis de
governar". Chega de farsa.