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e repente, as luzes se apagaram. O silêncio tomara conta de tudo.
Os risos cessaram. A música parara de tocar.As vozes se acentuaram. Nada mais
interessava a ela. Nada mais fazia sentido. Nada mais se fazia necessário
naquele momento. Apenas o sussurrar das palavras, apenas o encontrar das bocas
fazia sentido, o cheiro da pele, o grudar de corpos embalados pela emoção,
pelos sentimentos represados há anos.
Há vinte anos se toparam. Ela aos 30, ele aos 20. Ele, um rapaz
da periferia, estudioso, muito bem-nascido e educado, refinado; ela,
apenas uma mãe de primeira viagem, separada e, subitamente tomada de
paixão por ele. Tiveram um relacionamento interessante durante três anos...ele
apresentou a ela Camus, Proust, Allan Poe, sob os acordes de um violão,
entoando Ramones, Rolling Stones,Beatles, Renato Russo, Chico Buarque, Roberto
Carlos até altas horas, sob luar, sob sóis de verão, sob edredons nas
frias noites das montanhas..escreviam-se compulsivamente poesias apaixonantes (
e apaixonadas!)...até um dia em que ele se
fora para estudar Direito, em uma Universidade pública longe, bem longe dela.
O tempo passou. Não tiveram mais contato. Ele fora louco por
ela, ela o amou com intensidade
descomunal. Ela tivera outros homens; ele se casara, ficara viúvo, casara-se-se
novamente, não deu certo o relacionamento...Ele se tornou juiz; ela, uma psicóloga renomada.
Alguns anos se passaram, ele a procurou. Ela não morava mais na
cidade. Ela havia se casado novamente. Logo depois, descasou-se. Perderam
contato.
Hoje, sob forte chuva, num pub, se toparam...fluiram algumas
palavras vãs, olhares faiscantes, pupilas dilatadas pela emoção...nada
precisaram dizer e, apesar do cessar da energia de súbito, nada à volta deles
atrapalharia aquele momento, nada os afastaria da doce e linda artimanha do
destino.
A vida tem seus mistérios mesmo. Ela realmente não contava
com esse encontro, para ela seria algo quase milagroso. Nunca o esquecera. Ele
sempre a amou, com a mesma intensidade de menino, com a maturidade de um homem
que sabe a que veio...
Todos os sentimentos represados vieram à tona...e o que virá
depois?
Bem, pra que pensar no depois, se a vida são apenas momentos tão
fugazes neste presente, o nosso hoje?
(...)
Mas ...depois, depois e depois eu conto!