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hove como nunca vi chover por aqui.
A chuva em um feriado induz ao ócio ( criativo ou não), ao
aconchego, a uma boa e farta mesa, a um
grude com a pessoa amada. Chuva e frio- junto ao frenesi de escrever - induz
meu espírito a rever cenas e uma necessidade de recriar muitas delas,
despejando “in incontinenti “ palavras e
palavras, cujos reais significados ou sentidos podem se perder nas
entrelinhas, serem mal interpretados ou não terem certa razão em si mesmos.
Palavras brotam, criam
asas, voam de dentro de mim...eu não as controlo.
Amanheço clamando por um café colonial, mas meu metabolismo já
não colabora, mesmo tendo eu mergulhado em uma vida bastante ativa e, hoje,
adepta a esportes ao ar livre, dedicada
a cuidar de mim de forma incomum e conivente com a máxima: “corpo são, mente sã
”.
Estar aposentada é muito bom, principalmente sem culpa alguma
por não estar trabalhando
sistematicamente em coisa alguma.
O termo aposentada já seria um motivo pra se sentir em pânico.
Pra muita gente pode significar fim de linha, o abismo pra sentir a
velhice, um acenar para a depressão.
Estar aposentada com ossos fortes, coração leve , mente tranquila (e espinha ereta, claro!) e em paz com os
hormônios é oooutra coisa.
Ler jornais página a
página ( e depreender dele apenas o que pode me abastecer de melhor), reler
e rever (livros e filmes)
clássicos que fizeram a minha cabeça, ouvir boa música , aprender um outro
idioma, conhecer cada canto da região sul, prestar atenção em cada detalhe da
natureza, ouvir com calma boas histórias do povo local, mergulhar no
alternativo, conhecer outras histórias, voltar a fazer coisas que deixei pra
trás por falta de tempo, fazer coisas que sempre sonhei fazer, mas a correria do dia a dia não me
permitia são coisas que afastam qualquer nuvem pesada que possa ter indício de
depressão, de maus pensamentos, de solidão ou seja lá o que for.
Não existe solidão pra quem está bem resolvido, pra quem teve
uma vida rica repleta de boas e gostosas
experiências, pra quem está cercado de boas coisas (e bons pensamentos), pra quem está com a consciência tranquila.
A depressão se instala ,
sorrateira, pra quem vive do passado,
pra quem vive pensando no pior, pra quem se concentra em perdas , pra quem se concentra em si mesmo,
pra quem olha apenas para o próprio umbigo, pra quem se detém em tragédias, pra
quem exige a perfeição de si mesmo e, principalmente, do outro, pra quem é
implacável consigo mesmo e com o próximo nos julgamentos, pra quem tem medo o tempo todo de ficar só
consigo mesmo, pra quem não consegue se
dar bem consigo mesmo.
Doenças de toda a sorte – físicas ou não - chegam pra quem guarda mágoas, derrotas, tristezas, pra quem
cria expectativas no outro pra ser feliz, pra quem vive do “se” e do “quando” (
se eu tivesse dinheiro, quando eu tiver tempo...), pra quem tem necessidade de
provar coisas o tempo todo pra todo mundo, pra quem não se sente amado, pra
quem não se dispõe a amar, pra quem só pensa
em acumular sem compartilhar, sem
repartir, pra quem nunca tem nada a
dizer de bom, apenas lamenta a própria sorte; pra quem tem pena das pessoas mas
não pratica a compaixão, pra quem tem espírito de autocomiseração e, portanto,
permite a chegada de pessoas mal intencionadas em suas vidas que as fazem
desmoronar, sem saberem o porquê de não
terem sorte em seus projetos, na vida.
Muitos vivem à espera da cara-metade ( ou seria a cara
inteira¿!)sem ser inteiros pra ninguém,
vivem de amores impossíveis e se esquecem de amores possíveis, esperam o homem
ou a mulher perfeita, mas têm medo da entrega, só querem receber e
receber...talvez por julgarem não terem nada a doar, ou não se sentirem
merecedores de nobres sentimentos, ou por
não acreditarem em si mesmos, ou ainda não acreditarem no amor em um
sentido muito mais amplo...são sempre as vítimas dos infortúnios da vida.
Para esses, não existe um motivo maior pra serem felizes nunca -
engavetaram sonhos, vivem à margem da vida, são personagens secundários da
própria história, são sempre os bonzinhos demais, os sensíveis demais, inspiram
sempre um cuidado maior no trato com eles-sentem-se derrotados, enfraquecidos,
injustiçados pela vida.
Outros sentem preguiça de irem à luta, não têm motivação pra
trabalharem, pra se cuidarem, pra amarem, pra se doarem, pra viverem plenamente...e esperam
acontecer...sempre! São papagaios de
piratas, seres rastejantes, “deixam a
vida os levar”, vivem ou do ontem ou do amanhã.
Aí, o corpo adoece, a alma envelhece, o espírito enfraquece, a
mente atrofia. Sintomas comuns de pessoas que se esquecem de que a felicidade
são momentos, que são pequenas cotas correspondentes a pequenos grandes
detalhes ( que elas mesmas podem cultivar) que fazem a diferença, ouvindo mais
as pessoas ao seu redor e a essência que delas emanam, sendo mais solidárias na
dor, nas adversidades que povoam o dia a
dia dessas pessoas.
Muitos vivem de falsas ilusões, de aparências, de paradigmas
ultrapassados, dos velhos modelos de convenções sociais, de frases e
pensamentos alheios, do que o outro vai pensar ou achar, da necessidade de agradar sempre. Vivem sempre ansiosos, estressados,
amargurados.
Muitos se acomodam, deixam o medo se instalar em suas vidas, que
a todos paralisa. Não se arriscam com nada, em nada, com ninguém. Cortejam o que julgam estável, se esquecem de que tudo
é instável, de que tudo é efêmero nesta vida e dela nada levamos.
Outros vivem às custas
dos “formadores de opinião” , dos articulistas, de acumularem saberes e
saberes, se travestem de uma falsa intelectualidade, pregam uma falsa verdade( ou
se acham os donos da verdade absoluta), proclamam aos quatro ventos uma
autossuficiência, uma bem-sucedida vida, cercados de todo o conforto material,
sempre acumulando e acumulando coisas , revestindo-se de uma fé inexistente...e
vivem uma vida deprimente . E convivem
com a solidão e o espírito acusativo, à
base do ” tarja preta” pra poderem dormir, pra poderem amortecer (ou amortizar) as dores do corpo,
da alma, do espírito, do mundo...pra poderem
acordar com a falsa sensação de
felicidade e euforia de “falarem e falarem
demais por não terem nada a dizer”, e nada a acrescentar. E poderem
recomeçar outro dia (se entristecendo por dentro),
prontos pra camuflarem, pra maquiarem a vida insípida que têm.
Então, voltando ao clamor do
meu corpo, aceito o convite do meu não tão “guapo” e nada perfeito amor,
e vou até ali –numa pequena e simples confeitaria-, “montada” num visual
outono-inverno todo pretão básico, cores no rosto, mais pra gaúcha que
paulista, me “jogar” sem culpa no
aconchego dele e de um folhadinho de banana, devidamente acompanhado de um
delicioso e calórico chocolate quente, embalada pelo Raulzito com a música tudo
a ver comigo agora... “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada
sobre tudo!”
E que venha a chuva e o frio!
E que a vida seja muito bem-vinda!