Rosana Gimael Blogueira

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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

E, então, lá estava a barata!

Dia desses fui passar a tarde com meus vizinhos, um casal legal. Eugênia e Guilherme estão juntos há quatro anos. São parceiros na vida e professam a mesma religião: fazer o bem sem olhar a quem. Gosto deles e do jeito como enxergam a vida. Eles têm uma boa energia. Rio muito com eles, aprendo muito com eles.
Pois bem, então lhes digo que uma barata apareceu quando estávamos conversando na varanda do chalé. Minha visão periférica flagrou o inseto vindo do gramado e entrando sem cerimônia sala adentro. Pensei em alertá-los, engoli. A barata desviou-se no chão, perto da estante recheada de livros, verdadeiras relíquias. A mexicana Frida Kahlo – a heroína de Eugênia - ali estava em livros, gravuras, citações em quadros e bem explica a essência e uma certa melancolia, dela, o seu quase sempre estado de espírito. Ali se encontravam também os três volumes de A história da Sexualidade, de Michel Foucault, o que poderia bem justificar (e a ela remeter, denunciando-a) o porquê de a sensualidade “virar protagonista” sempre.
Desviando o meu olhar daquela estante - que instigava-me à curiosidade-, anunciei à anfitriã o que estava vendo, nutrindo a convicção de que ela sairia correndo porque essa minha amiga, evidentemente, não faz o tipo de mulher que mata barata. Surpresa, observei quando ela, Eugênia, calmamente se levantou, tirou o All Star que usava e, sem titubear, deu um cascudo “de macho” no bicho. Feito isso, voltou para a espreguiçadeira, pegou o copo com o detox – um tal suco verde desintoxicante que estava tomando - e disse: “Eu mato, mas não cato. Tenho verdadeiro pavor ! Depois o Gui cata”. Bem, a meu ver, o simples impulso em esmagar o inseto, já seria, em si, um ato heroico, surpreendente!
Lembrei-me de quantas situações embaraçosas passei por conta de baratas, sempre ao redor de pessoas que ficavam embasbacadas com minhas atitudes. Elas, as baratas, pareciam me perseguir, pareciam sentir o meu pânico por elas. Hoje , já muito me controlo - apesar do nojo-, ao me deparar com elas. Com certa frieza e tranquilidade, consigo matá-las e tirá-las do meu campo de visão.
E quantas explicações existem supostamente plausíveis sobre tais reações.
Certa vez mergulhei na leitura de Kafka, com sua Metamorfose, uma crítica à sociedade moderna e à desumanização social, na qual coloca o personagem Gregor Samsa que, ao se transformar em algo horrendo e fora dos padrões, é excluído da sociedade, sendo forçado aceitar o que virou, desumanizado – uma barata. Dessa incursão minha à densa leitura kafkaniana até um certo dia em sala de aula, enquanto aluna de literatura de uma certa interessante professora, na faculdade, relembro-me de quando fui pega de surpresa por uma barata "voadora" aninhando-se em minhas indomáveis madeixas. E pra cima de mesas, cadeiras e pessoas, parti eu aos berros histéricos, dependurada entre pilares, quase no teto! A professora cravou os olhos sobre aquela cena patética e também sobre mim, fazendo ali, sucintamente, a tradução fria, talvez cruel, sobre ao que ela assistia, estarrecida. E disparou-me: “Quantas coisas reprimidas há em você... Todas estas coisas estão ali – apontando-me ela com o dedo em riste. E aquela barata está dentro de você”. Aquilo me deixou ainda pior! Me senti uma barata! No sentido real, no sentido figurado, na metáfora. Aquela frase ecoou um bom tempo dentro de mim, ressonando, irradiando e dando pistas de que somente eu poderia “desrotular” o que aquela Mestra imprimira em mim em tom profético. E foi ela que, com aquele jeito - na época, traduzido por mim como insensível - me ajudou a entender certas coisas, tempos depois rsrsrsrs.
E depois disso, ao lado de pessoas pela vida afora que me acompanharam e com quem partilhei boas histórias, pude constatar que nenhuma delas matavam as asquerosas e ainda pareciam se comprazer do estado em que eu ficava. Pareciam ora ironizarem ora se divertirem com a visão de tamanha mulher na frente deles (e do inseto) - aparentemente tão destemida- ser tão assombrosamente medrosa!
E lá estava o Gui naquela tarde, descontraído, pouco estudado, um sujeito simples , com uma certa rudeza-surfista em boa parte do seu tempo- a retirar discreta e rapidamente a barata de circulação pra brindar Eugênia -renomada profissional na área da saúde-, com sua atenção, preocupado e cheio de zelo, em não desestabilizar a harmonia da sua amada e do ambiente.
E eu pensava com meus botões o quão bacana é a sintonia dos dois, a sintonia daquele casal naquela simples tarde entre montanhas, areia, céu azul, mar batendo forte nos rochedos, entre profusão de verdes...uma tarde em que se revelavam, nos pequenos detalhes, pequenas sincronias e grande percepção de pessoas tão diferentes que, entre olhares e gestos, traduzem um bem-querer comovente, que faz calar certos questionamentos, que refreia qualquer tipo de julgamento.
Seja o que for, apesar da divagação sobre a aparição- relâmpago da barata naquele descontraído momento, já não tenho pânico nem asco por elas...acho que a vida se encarregou de, se não sanar certos pavores meus, me dar condições de enfrentá-los, com admirável coragem, coragem essa que, às vezes, até me assusta!

E experimentava eu, naquele momento, entre risos, o tal detox- estranhíssima “mistura-poção-mágica” de vegetais dessa minha amiga-, e refletia apenas , enquanto ela tagarelava teorias, que a vida é mesmo para os fortes ....definitivamente a vida não é feita para os excessivamente sensíveis! Rsrsrsrsrs
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