Rosana Gimael Blogueira

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domingo, 18 de janeiro de 2015

“Homens são de Marte, mulheres são de Vênus ”

Marte e Venus, por Sandro Botticelli




E
la adorava a quarta-feira. Dia da semana em que ele, o marido, sentava-se diante da tv, totalmente absorto, fascinado diante da partida de futebol, fosse ou não o dia  do seu time jogar. Era o dia em que ela desfrutaria de duas horas só para ela. A cada quarta ela inventava uma coisa diferente, intercalando lazer e cultura dentre outras atividades, com a única finalidade de não sucumbir à rotina de um casamento morno  - uma relação que se arrastava há quase vinte anos. E fazia isso com muita propriedade: as horas antecedidas ao jogo eram previamente curtidas por ela, que já antevia momentos de particular deleite. A sós, com ela mesma.
Quarta-feira era o dia em que ela migrava  pra outro planeta:  o planeta das mulheres – e  cá entre nós, um lugar que só nós, mulheres, muito  bem sabemos  ser de difícil acesso a homens dotados de pouca ou nenhuma sensibilidade.
Pois bem, naquela noite de quarta, resolvera ela se dar  uma “repaginada”  em sua aparência.
Já em  seu quarto,  direcionou-se ao espelho. Viu-se “apagada”.  Decidiu-se por dar  uma  certa cor ao rosto meio sem vida, testando um novo tipo de maquiagem. E pincelou cores, delineou traços, iluminou faces, sombreou olhos, coloriu generosamente os lábios de carmim.

Olhava, agora,  indecisa, ora para  o Vermelho Ivete ora para o Sensual. Optou por usar os dois, uma camada  sobre a outra.
Depois de décadas usando as cores de esmalte ao estilo “misturinha”, os tons neutros, resolvera naquela noite ousar, pintando  as unhas de vermelho. E vibrou de alegria ao ver as mãos maduras agora joviais, ágeis. Ágeis o suficiente para dispararem atrás de acessórios que as poriam  ainda mais  exuberantes – mãos e unhas! Achou em uma das inúmeras gavetas do armário, o exótico anel que ganhara da avó: mesclava a cor do rubi e a da esmeralda com o dourado; era ricamente adornado de minúsculas pedras verdes que brilhavam  ofuscantes em torno da pedra imensa vermelho-sangue, arredondada.  Ao colocá-lo, sentira-se hipnotizada  durante longos momentos, experimentando uma felicidade de menina, fascinada com  suas mãos. Fora em busca, a seguir, das pulseiras em tons de cobre, também trabalhadas, que incrementariam a produção. Uau! Perfeita produção!
Então, colocou o vestido de tafetá preto, cheirando a guardado, que lhe evidenciava a boa forma física. E  borrifou o perfume sobre si, deixando no ar uma tênue “nuvem” que revelava notas delicadas de gardênia.
Deslumbrou-se diante da visão que o espelho lhe revelava. Sentia-se, agora, dotada de  um certo poder que há muito já não o sentia.
Subitamente, fora arrebatada por uma rara vibração. Ao som da
Valsinha, de Chico Buarque, começara a dançar, a rodopiar, a sonhar.  A imagem de Pedro, bem mais jovem que ela, veio acompanhá-la naquela desmedida emoção.
Pouco se  falaram, muito se entenderam. Nunca pensara em trair o marido, gostava dele, não mais com o ardor dos velhos e bons tempos. Mas era  Pedro  quem incendiava, agora, a sua imaginação. Ambos providos de muitas  coisas em comum, com estilos de vida bem parecidos, com o mesmo gosto musical; ambos do mesmo signo zodiacal, com o mesmo ascendente...tão poucos momentos juntos para se descobrirem tão únicos e tão pertencidos um ao outro! Ela sentia o coração descompassado ao se remeter ao “olhar de precipício” do rapaz, na ocasião  em que se despediram, após um encontro rápido, porém eloquente. Pareciam se conhecer há séculos, ambos tendo a convicta sensação de que  iriam, um dia, se “toparem” novamente.  Para eles, a diferença de idade era irrelevante, um detalhe apenas , pequeno descompasso.
A voz do marido, amolecida pelo álcool, trouxe-a de volta a Terra:
- Benhêêê, pega mais uma cerva  gelada pra mim?
Levou a cerveja gelada até a sala, onde o marido encontrava-se  esparramado no sofá, com a imensa barriga à mostra. Ele a agradeceu, observando a mulher de forma incomum. E, curiosamente, reparara na sua transformação, no brilho do seu olhar. Elogiou-a. Puxou-a para si. E selou sua boca na dela por alguns segundos.

E durante  aqueles segundos, ela sentiu-se em  Vênus.  Sentia agora a boca  de Pedro na sua, o olhar de Pedro - aquele bendito olhar de novo! -  a consumi-la,  a presença trepidante e juvenil de Pedro, ali com ela.
E juntos, ela e o rapaz,  sorriam e dançavam a coreografia dos amantes,  naquele momento, alheios a tudo. Deixavam-se, ali,  embalar pela linda  cantiga de Chico, inebriados  pelo  luar que atravessava as grandes janelas envidraçadas da sala,  ensurdecidos pelo retumbante tamborilar de seus corações,  deslumbrados com o frescor das novas descobertas, entorpecidos pelo perfume de gardênia com “sabor” dos inesquecíveis tempos de infância feliz.
Ainda no sofá, de frente pra televisão, olhos em transe,  encontrava-se o marido, vibrando de forma animalesca com um gol de mais uma partida de futebol, em mais uma quarta-feira...naquela linda noite de verão, de estrelas cadentes e luar cúmplice.


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