Rosana Gimael Blogueira

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domingo, 18 de janeiro de 2015



O amor em tempos de Internet

E
la procurava um arquivo no Pc de cujo nome não se lembrava de como salvara,  com o objetivo de complementar um trabalho de pesquisa.
Clicou em uma palavra-chave na possibilidade de abri-lo. Apareceram vários arquivos  com o mesmo nome. Ela escolheu aleatoriamente um deles e eis que surge um “fatídico”, contendo uma conversa que a fez quase perder o fôlego. Era um bate-papo do parceiro dEla com outra. Aprendera, desde sempre, a não abrir correspondências nem se apropriar de nada que não fosse seu, que não lhe  dissesse respeito. Mas algo mais forte, que não sabia definir,  a impelira a continuar e a continuar lendo.
E ali, na tela, confrontou-se com muitos diálogos; foram muitas conversas com várias outras mulheres. Não eram conversas apimentadas, eram conversas românticas, com  uma  certa profundidade, entusiasmantes, lindas, algumas com certa pieguice, até ridículas – “cartas de amor são ridículas. Não seriam de amor se não  fossem ridículas”, diria Drummond -pensava agora.   A vista se turvara, à medida que se concentrava na leitura.
Estava com Ele há três anos. Eles tinham, aparentemente, tudo a ver um com o outro. Ele era companheiro, parceiro em tudo que  faziam, romântico, apaixonado, sempre se esmerando em cuidados e carinhos com Ela. Ela vinha de um relacionamento conturbado, achava que já não seria mais capaz de amar alguém. Havia deixado claro isso quando  Ele, entusiasmado, aproximara-se dEla.

Tanto Ela quanto Ele  prezavam a liberdade, simpatizavam com a possibilidade de um relacionamento aberto, jogavam limpo um com o outro, conversavam horas sobre tudo, tinham trajetória de vida bastante parecidas. Ambos tinham em  torno de cinquenta anos,  vinham de relacionamentos que não haviam dado certo. Ambos com filhos. Ambos dispostos a recomeçarem,  com projetos e sonhos parecidos. Ambos com a mesma sintonia em tudo. E  tinham a bendita afinidade de pele, de cheiro. Ele parecia mais apaixonado que Ela, embora Ela já se   sentia  pertencida a Ele, que soube conquistá-la com o tempo, com toda a paciência e  carinho do mundo.
Tinham Faces  separados, a pedido dela que priorizava a individualidade, ao que Ele rebatia, insistindo até em lhe passar o seu Login, o que Ela  sempre rejeitara . Ela levantava a bandeira da liberdade sempre!
E agora Ela ali, paralisada, vista turva, corpo mole, aperto no coração.  Não conseguia sair de frente da tela, não tinha forças para isso..”.O que os olhos não “leem” o coração não sente...saia daqui enquanto há tempo”...a vozinha sábia da intuição gritava-lhe incessantemente.
E quanto mais lia, mais queria  ler...Então algo estaria errado. Eles não estavam bem. No fundo talvez soubesse que Ele a percebera sempre  menos disponível nos sentimentos  para com Ele. Pelo horário das conversas dEle, pelo comportamento dela naquele momento, pelos sentimentos confusos agora, tudo poderia denunciar  falhas nesse relacionamento, aparentemente estável, com uma certa cumplicidade gostosa. Não, Ela não se sentiria culpada, sentimento tão comum entre as mulheres em uma situação dessas.  Mas Ela não era esse tipo de mulher. Não meeesmo. Era moderna,  arrojada,”cabeça” demais pra essas  frivolidades, pras essas trapaças (artimanhas!)  do coração.
Quando deu por si, percebera que aquilo já havia lhe consumido. Enveredara-se para o precipício. Esta era a verdade.
 Foram horas, dias vasculhando as conversas  e, à medida que Ele a olhava dizendo o quanto a amava, estranhando a mudança súbita dEla para com Ele,  Ela o rebatia, já um tanto descompensada, tentando uma possível resposta para aquilo tudo, ironizando-o, instigando-o a falar sobre  aquele comportamento, corroída por sentimentos torpes, dignos de uma análise Machadiana. Não poderia lhe dizer sobre esse seu deslize de vasculhar a privacidade alheia. Torturava-se por isso, não era da sua personalidade ser assim, invasiva, nunca! Não havia culpados. Não haveria cobranças. Mas nada poderia ser como antes. Ela já não o enxergava como outrora. A admiração que nutria por Ele tinha ido para o ralo.
Antes fossem conversas apimentadas - seria normal para Ela se tivessem esse teor...homens são  vulneráveis a isso – pensava agora, mais atormentada do que nunca. Não eram. E as personagens ali, naquelas conversas, eram de todos  os tipos, de longa data e recentes, paralelas a outras.  A todas as mulheres, Ele fazia  juras de amor, planejava  coisas em comum, inclusive filhos.

Conversas cheias de comprometimento, correspondidas por todas elas, longas conversas em horários distintos, com  uma  certa intimidade comovente, envolvente, eloquente. A todas se dirigia com “Oi, meu amor!”, dentre tantos outros vocativos surpreendentemente românticos.
Começara a evitá-lo, após todas as tentativas de tirar dEle uma certa verdade. Sempre fora segura de si, sempre abominara esse tipo de relação, de comportamento que desequilibrava os parceiros, que confundia sentimentos, que aprisionava, sufocava.  Ambos eram pessoas esclarecidas, maduras, abertas...e por que isso agora? Por que Ele não se abriria sobre isso?
E por que Ele deveria se abrir? Qual seria o conceito desse suposto amor? Seria apenas ego ferido? Uma suposta tentativa de se apossar do outro? Ridículo. Muito ridículo tal sentimento.
Um dia desvencilhou-se da tormenta. Acordou,  olhando para Ele com grande docilidade. Tratou-o como antigamente.
Produziu-se  no estilo “vestida para matar”, como há muito não o fazia.  Dissera-lhe, sob o olhar deslumbrado, confuso  e inquisidor  dEle, que iria ao supermercado e já voltaria.
Passou a tarde com um lindo rapaz que sempre a rodeava, sempre “babando” por Ela, sempre a cercando de atenções e elogios. Chegou  a  casa horas depois, olhos brilhantes, cantarolando, feliz.
Sentia-se “ vingada”.
(...)

Mal sabiam Eles que estavam enganando a si mesmos, não sendo tão parceiros como pensavam, não sendo leais consigo mesmos, confundindo sentimentos, tão ausentes do diálogo, dos verdadeiros sentimentos, tão fragilizados um com o outro. Tão solitários, tão desvinculados um do outro!
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