O amor em tempos de Internet
E
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la procurava um arquivo no Pc de
cujo nome não se lembrava de como salvara,
com o objetivo de complementar um trabalho de pesquisa.
Clicou em uma palavra-chave na
possibilidade de abri-lo. Apareceram vários arquivos com o mesmo nome. Ela escolheu aleatoriamente
um deles e eis que surge um “fatídico”, contendo uma conversa que a fez quase
perder o fôlego. Era um bate-papo do parceiro dEla com outra. Aprendera, desde
sempre, a não abrir correspondências nem se apropriar de nada que não fosse
seu, que não lhe dissesse respeito. Mas
algo mais forte, que não sabia definir,
a impelira a continuar e a continuar lendo.
E ali, na tela, confrontou-se com
muitos diálogos; foram muitas conversas com várias outras mulheres. Não eram
conversas apimentadas, eram conversas românticas, com uma
certa profundidade, entusiasmantes, lindas, algumas com certa pieguice,
até ridículas – “cartas de amor são ridículas. Não seriam de amor se não fossem ridículas”, diria Drummond -pensava
agora. A vista se turvara, à medida que
se concentrava na leitura.
Estava com Ele há três anos. Eles
tinham, aparentemente, tudo a ver um com o outro. Ele era companheiro, parceiro
em tudo que faziam, romântico,
apaixonado, sempre se esmerando em cuidados e carinhos com Ela. Ela vinha de um
relacionamento conturbado, achava que já não seria mais capaz de amar alguém.
Havia deixado claro isso quando Ele,
entusiasmado, aproximara-se dEla.
Tanto Ela quanto Ele prezavam a liberdade, simpatizavam com a
possibilidade de um relacionamento aberto, jogavam limpo um com o outro,
conversavam horas sobre tudo, tinham trajetória de vida bastante parecidas.
Ambos tinham em torno de cinquenta
anos, vinham de relacionamentos que não
haviam dado certo. Ambos com filhos. Ambos dispostos a recomeçarem, com projetos e sonhos parecidos. Ambos com a
mesma sintonia em tudo. E tinham a
bendita afinidade de pele, de cheiro. Ele parecia mais apaixonado que Ela,
embora Ela já se sentia pertencida a Ele, que soube conquistá-la com
o tempo, com toda a paciência e carinho
do mundo.
Tinham Faces separados, a pedido dela que priorizava a
individualidade, ao que Ele rebatia, insistindo até em lhe passar o seu Login,
o que Ela sempre rejeitara . Ela
levantava a bandeira da liberdade sempre!
E agora Ela ali, paralisada,
vista turva, corpo mole, aperto no coração.
Não conseguia sair de frente da tela, não tinha forças para isso..”.O
que os olhos não “leem” o coração não sente...saia daqui enquanto há tempo”...a
vozinha sábia da intuição gritava-lhe incessantemente.
E quanto mais lia, mais
queria ler...Então algo estaria errado.
Eles não estavam bem. No fundo talvez soubesse que Ele a percebera sempre menos disponível nos sentimentos para com Ele. Pelo horário das conversas
dEle, pelo comportamento dela naquele momento, pelos sentimentos confusos
agora, tudo poderia denunciar falhas nesse relacionamento, aparentemente
estável, com uma certa cumplicidade gostosa. Não, Ela não se sentiria culpada,
sentimento tão comum entre as mulheres em uma situação dessas. Mas Ela não era esse tipo de mulher. Não
meeesmo. Era moderna, arrojada,”cabeça”
demais pra essas frivolidades, pras
essas trapaças (artimanhas!) do coração.
Quando deu por si, percebera que
aquilo já havia lhe consumido. Enveredara-se para o precipício. Esta era a
verdade.
Foram horas, dias vasculhando as
conversas e, à medida que Ele a olhava
dizendo o quanto a amava, estranhando a mudança súbita dEla para com Ele, Ela o rebatia, já um tanto descompensada,
tentando uma possível resposta para aquilo tudo, ironizando-o, instigando-o a
falar sobre aquele comportamento,
corroída por sentimentos torpes, dignos de uma análise Machadiana. Não poderia
lhe dizer sobre esse seu deslize de vasculhar a privacidade alheia.
Torturava-se por isso, não era da sua personalidade ser assim, invasiva, nunca!
Não havia culpados. Não haveria cobranças. Mas nada poderia ser como antes. Ela
já não o enxergava como outrora. A admiração que nutria por Ele tinha ido para
o ralo.
Antes fossem conversas
apimentadas - seria normal para Ela se tivessem esse teor...homens são vulneráveis a isso – pensava agora, mais
atormentada do que nunca. Não eram. E as personagens ali, naquelas conversas,
eram de todos os tipos, de longa data e
recentes, paralelas a outras. A todas as
mulheres, Ele fazia juras de amor,
planejava coisas em comum, inclusive
filhos.
Conversas cheias de
comprometimento, correspondidas por todas elas, longas conversas em horários
distintos, com uma certa intimidade comovente, envolvente,
eloquente. A todas se dirigia com “Oi, meu amor!”, dentre tantos outros
vocativos surpreendentemente românticos.
Começara a evitá-lo, após todas
as tentativas de tirar dEle uma certa verdade. Sempre fora segura de si, sempre
abominara esse tipo de relação, de comportamento que desequilibrava os
parceiros, que confundia sentimentos, que aprisionava, sufocava. Ambos eram pessoas esclarecidas, maduras,
abertas...e por que isso agora? Por que Ele não se abriria sobre isso?
E por que Ele deveria se abrir?
Qual seria o conceito desse suposto amor? Seria apenas ego ferido? Uma suposta
tentativa de se apossar do outro? Ridículo. Muito ridículo tal sentimento.
Um dia desvencilhou-se da
tormenta. Acordou, olhando para Ele com
grande docilidade. Tratou-o como antigamente.
Produziu-se no estilo “vestida para matar”, como há muito
não o fazia. Dissera-lhe, sob o olhar
deslumbrado, confuso e inquisidor dEle, que iria ao supermercado e já voltaria.
Passou a tarde com um lindo rapaz
que sempre a rodeava, sempre “babando” por Ela, sempre a cercando de atenções e
elogios. Chegou a casa horas depois, olhos brilhantes,
cantarolando, feliz.
Sentia-se “ vingada”.
(...)
Mal sabiam Eles que estavam
enganando a si mesmos, não sendo tão parceiros como pensavam, não sendo leais
consigo mesmos, confundindo sentimentos, tão ausentes do diálogo, dos
verdadeiros sentimentos, tão fragilizados um com o outro. Tão solitários, tão
desvinculados um do outro!