Rosana Gimael Blogueira

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domingo, 18 de janeiro de 2015



Assim como nós, todo filme é bom no trailer

M
eus vizinhos formam um bonito casal de surfistas...  nativos , ambos com o sotaque típico de “catarinos” – como se diz aqui -  , sotaque este que denota uma certa carga dramática quando se expressam.  Vieram nos visitar , presenteando-nos com anchovas e  garoupas -  peixes que tiveram o destino certo: foram pra churrasqueira, devida e saborosamente grelhados. Vieram comemorar o fim do agito, a merecida calmaria, lembrando-nos, porém, de que ainda há os feriados da Páscoa;  ou seja, daqui a pouco, teremos mais movimento por aqui, neste lugar, nesta paradisíaca e deserta praia que tanto, hoje, nos inspira,  nos faz sonhar,  nos faz  pausar – temporariamente -  do mundo aí fora. Lugar, hoje, protagonista de nossas reflexões, de nossas viagens interiores, de nossas descobertas.
 Tinham chegado ontem de Floripa, a 80km daqui, onde  levaram parentes até o aeroporto e, aproveitando a ocasião,  - já que aqui não há um espaço para se deleitar a sétima arte - foram ao cinema, após enfrentarem longas filas.  Voltaram  decepcionados com o trânsito da capital, com o tempo chuvoso por lá e, principalmente, com o filme.
E  desabafaram...foi mais um daqueles filmes de trailer engraçado, dinâmico, emocionante e filme monótono, sem graça, fraco, que parecia não ter fim. E eu não pude deixar de pensar ...  como acontecem com os filmes dos canais abertos aos  sábados à noite...rsrsrs.
Passamos uma tarde agradável, conversando; ele tocando violão, ela o acompanhando com a voz.
Anoiteceu, a lua chegou linda e soberana, céu límpido, estrelas mil, brisa boa, barulho do mar  ecoando. Eles se foram, cedendo aos apelos do filho, que os requisitava insistentemente.
(..Todo filme é bom no trailer. Claro. O trailer é exatamente um compacto das melhores partes com  o objetivo de vender o produto. No caso, convencer as pessoas a assistirem aos filmes. Nem  temos o direito de acusar os produtores de cinema, de “ propaganda enganosa”.
 O tempo todo  forjamos trailers de nós mesmos.
Em um  primeiro encontro, nenhuma mulher está mal vestida, sem maquiagem ou sem uma “produção no visual  ”;  nenhuma é ciumenta, insegura, chorona ou aparenta estar  doida pra casar.
Nenhum cara é pão- duro, tem pânico de relacionamento sério ou está obcecado por alguém  que seja parecido com sua mãe.
Em uma entrevista de emprego, ninguém assume ser do tipo “chega logo, sexta-feira” ou que detesta realizar trabalhos em equipe ou que se aproveita de reuniões intermináveis para desligar a mente e pensar em tudo, menos no  que está sendo dito ali.
Aquele que está tentando se enturmar num potencial grupo de amigos não vai pedir dinheiro emprestado no primeiro
programa juntos ou fazer piada com o tamanho do nariz de um dos colegas ou ficar reclamando de tudo o tempo inteiro.
A primeira vez que uma pessoa vai visitar a casa dos sogros, não avisa , logo de cara, que não suporta intromissões na sua vida e que nunca vai abrir mão de passar o Natal com os pais.
O que todos nós temos – não por mal, mas por sobrevivência – é uma série de trailers que revelam o que temos de melhor, para exibirmos quando for oportuno.
Superficialmente, somos todos seguros, bem resolvidos, desprendidos, proativos, conectados, adequados, flexíveis, compreensivos, engraçados, inteligentes e dotados do bom e velho desconfiômetro . Se colar, colou. Alguém vai ser convidado a assistir o filme inteiro.
O negócio é que a vida de ninguém está sendo dirigida por Almodóvar, pelo Scorsese, pelo Spielberg ou pelo Tarantino. Somos nós mesmos atores e diretores, sem roteiro, sem experiência ou ensaio. Encarregados de conduzir uma história interessante, não por uma hora e meia, mas por uma vida inteira. E numa vida inteira, existem certas coisas que são inevitáveis.
A convivência é um filme repleto de momentos de tédio, lentidão, rotina e uma série de outras falhas de roteiro não previstas no trailer. Ficando insuportável, existe a opção de mudar o filme, por que não? Mas não mude de filme esperando que todos os seus problemas sejam resolvidos.
 O cinema pode até ter produzido filmes impecáveis, perfeitos. Mas vidas perfeitas é um produto que ainda não foi inventado. Se bater uma vontade de trocar de canal, pense bem nas paixões que o impulsionaram a ver aquele filme. Cogite  a possibilidade de mudar, não o filme, mas a forma como ele está sendo dirigido. Lembre-se das suas motivações, investigue as coisas boas. Elas ainda estão lá.
Porque o cinema pode até ter produzido filmes medíocres do início ao fim. Mas vidas inteiramente medíocres também é um produto que ainda não foi inventado!
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 A propósito, o filme a que o casal foi assistir, não teve nenhuma indicação ao Oscar.

           
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