Pai e filho
C
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aminhava na areia, ouvindo
música, apreciando as cores do inverno.
Deparei-me com Isaías e
Lucas. Pai e Filho. Nomes de profeta e apóstolo, respectivamente.
Isaías, 35 anos. Pedro, 5 anos. Nativos
da praia.
Ambos estavam sentados na
areia, à beira do mar em silêncio; ambos
entretidos na pescaria. Já os conheço. Lucas é um garoto adorável, perspicaz,
sensível. Isaías é um rapaz sério, bem apresentável, mas duro, muito rude com o filho.
Eu já havia presenciado cenas entre os dois, em outras
situações, que me deixaram mal. E, a
partir disso, comecei a arrumar pretextos para sempre estar por perto daquele
lindo garotinho, com olhos grandes,
profundamente negros, sempre com o pulmão trancadinho (olhem só, a tristeza, o medo, a
angústia acumuladas!), falante, esperto, questionador – sempre “podado” pela
jovem e bonita mãe e pelo carrancudo, também jovem bonito
( e bem-sucedido) pai. Filho único, não mimado e com uma educação
extremamente rígida, isenta de qualquer
tipo de regalia ou docilidade.
O kardecismo, se não me
equivoco aqui, diz que antes de virmos a
este plano, “escolhemos” nossos pais, nossa família. Existe uma passagem na
bíblia da qual agora não saberia precisar – essa minha memória mais afetiva
sempre me trai! - que diz que a batalha é contra o próprio
sangue. Ou seja, em outras palavras, é na própria família que temos o primeiro
contato com os sentimentos mais
desencontrados, desde muito cedo: rejeição, inveja, ciúme, amor, desamor, competição, rivalidade...verdadeiras
provações. Acredito que qualquer religião, de maneira distinta, pregue a evolução espiritual do ser humano neste plano.
De qualquer forma, isso pode nos
servir como alento (conforto espiritual)
, comodismo , amortecimento das dores,
resignação, estagnação . Seja lá como for,
cada um de nós interpreta (ou prefere assim entender) como melhor lhe
condiz, o sentido do seu existir, independente da crença que se tenha(ou
não), carregando “a dor e a delícia de ser o que é”, por escolha ou não.
Mas me reportando ao Lucas,
eu, então, desde que o conheci, não pude
evitar o ímpeto(muitas vezes) de
estar perto dele, que sempre vem ao meu encontro com um baita sorrisão, bracinhos escancarados, se
jogando nos meus braços e abraços,
demoradamente. Ele é forte, ele é muito especial. Faço-o se esquecer de suas dores e ele me faz refletir sobre os
sentimentos(sempre desencontrados) tão humanos e, especialmente, sobre a
frágil, pra não dizer conturbada, relação entre pai e filho.
Em toda a minha vida, foram
raros os momentos em que vivenciei
situações que traduziam verdadeiramente
uma relação afetiva vibrante, de companheirismo, de cumplicidade,
amizade e amor “escancarados” entre pai e filho. Pelo contrário. Em muitas,observei indiferença, frieza, permissividade, uma
certa liberalidade, um certo
desconforto, um mal-estar constante entre eles. Pai sem conversar com filho,
olho no olho; pai presente sempre
ausente; pai ausente, sempre ausente; pai sem atitudes ou exemplos
coerentes...um total desamor,
homens incapazes de darem afeto,
carinho. Muitos deles, violentos nas palavras,
nas ações. Muitos se empenhando em lhes dar conforto material apenas. Outros,
apenas se empenhando em cobrar ou
imporem respeito. Homens incapazes de amar....Pais que deixam lacunas
“impreenchíveis” em seus filhos, para todo o
sempre.
Mas, agora, caminhando com
meus cães meio que na clandestinidade, – já que na praia e fora dela, aqui, eles não são
bem-vindos – beeem cedo e com enorme “sombrero”, observo os dois : pai calado, sisudo e filho, agora tagarela, ambos em busca das
tainhas. Tentei não me fazer notar, embora
quisesse congelar a linda imagem(os dois juntinhos diante da imensidão
azul-turquesa) com uma fotografia. Em
vão. Lucas me “descobriu” e veio ao meu encontro aos gritos: “Rosanaaaaaaa,
você aquiiiii, olha a minha conchinha”! E me abraçou com o mesmo calor habitual,
prosseguindo ofegante - de novo, com o pulmão chiaaaaando!- e extasiado: “Deixa eu andar com você, com o Marrom e com a
Princesa?”
O pai, Isaías, mais
afastado, me cumprimentou efusiva e
educadamente, também sorrindo. Chamou a atenção do filho pelo “comportamento”
dele. Lucas retrucou com um insistente “
deixa, pai, deixa, deixa eu
ir com eles, vai!” - sem nenhum sucesso
-, no intento de convencê-lo a
deixa-lo caminhar comigo e abandonar a
pescaria. Nos despedimos,
eu tentando contornar a situação.
Consegui acalmá-lo, combinando passear
com ele no próximo domingo...Momentos depois, ao retornar pelo mesmo caminho ,
eu os vi indo embora. Lucas, aos
prantos. Isaías, o pai,
conduzindo-o com safanões e severas palavras.
E eu, bem atrás, com a minha
alma agoniada, coração espremido ( não tem como não me deter nas misérias do
mundo, mesmo neste paraíso, hoje
glacial!) apenas torço para que
aquele frágil menino seja destemido o suficiente pra enfrentar tudo o
que vem pela frente. E que o profeta ,
munido de toda a misericórdia, anuncie
boas novas a seu apóstolo, seu pequeno
grande tesouro.
E sigo sonhando com uma
revolução nas tênues ( e tão
soturnas) relações entre pai e filho...