"A dor e a delícia de
ser o que somos"
E
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screvo por compulsão. Não
“premedito” temas. Palavras se
esvaem de mim feito sangue vertendo das
artérias. É uma necessidade. Um vício. Para os que me cercam, acreditam ser um
dom.
Os pensamentos fluem em redemoinhos. Escrita automática. Na
maioria das vezes, me sinto teleguiada por uma força que não a reconheço em mim. Não penso, me inspiro. Há apenas um desejo de traduzir
sensações em palavras. Nesses momentos, não tenho uma preocupação formal excessiva ,
nem a pretensão de me fazer entender.
Reside em mim um universo borbulhante que se origina de minhas meras observações, de um exercício
diário das minhas viagens dentro de mim, em busca de mim mesma. Muitas vezes me
desconecto da realidade que me cerca; outras,
apenas registro impressões do
cotidiano. Sensações se instalam, sem pedirem
licença, dentro de mim.
Gosto da sonoridade das
palavras bem como amo a linguagem musical. Desde o solfejo a uma bela
partitura. Dediquei-me ao piano durante quase duas décadas de minha vida, sistematicamente três horas por dia,
cinco vezes por semana...deixei de tocá-lo desde que meu pai se foi.
Às vezes, uma música – como esta que ecoa aqui, agora,Tudo Azul,
de Lulu Santos - me faz quase levitar, me transporta pra um emaranhado de sentimentos...palavras
“musicadas” funcionam, pra mim, como um
ansiolítico tarja branca (?!). A música(
a boa música!) é um flutuar de palavras dançantes que acalenta o nosso
espírito, que nos remete ao divino, pra quem tem ouvidos predispostos a ouvirem
(e “sentirem”) tal conexão.
Escrevo pra exorcizar coisas dentro de mim, pra domesticar
certos devaneios...porém, eles insistem
em emergir de mim, de forma abrupta.
Influências tive, de toda a sorte, desde muito cedo, para a
escrita, para a leitura. Debruçava-me sobre os livros e , através deles , pude
mergulhar em fantásticas viagens e
aventuras, desvendando o mundo, um universo ilimitado de prazer, de
descobertas, de entendimento... E pra quem, então, se sente um peixe fora
d’água ou não tão bonito, torna-se mister
ter uma válvula de escape, um refúgio. E os livros me proporcionaram
isso...sempre. Aos que não têm o hábito, vício ou o prazer de “degustar” uma
boa leitura, muitas vezes, entendem refúgio como fuga.
Não sou da época do “ser diferente é normal”, sou da época do
“tirar sarro” permanentemente – hoje se diz bullying. Como logo cedo
percebi que não correspondia aos padrões de beleza vigentes, tive que criar
“mecanismos” pra lidar com possíveis
frustrações ou limitações; já que eu não herdara a beleza, teria que ser, no
mínimo, interessante...a mais interessante.
E tirei das letras (de letra!)
subsídios pra me autopreservar.
Bem mais tarde, vim a entender que isso me serviu como um meio de
superação.
Me encanta a personagem central das Mil e uma Noites- Sherazade
-, sábia contadora de histórias, que soube conquistar a confiança(e o amor!) de
seu algoz . Ela escapara de ser morta
por um rei, entretendo-o com as suas longas narrativas, pausando noite a noite
o término de cada uma delas. Ele fora supostamente traído pelas demais esposas
e resolvera se vingar de outras
possíveis pretendentes, levando-as à
morte, logo na noite de núpcias. Sucumbiu à “magia” de Sherazade, apaixonou-se
por ela, pela habilidade dela (o dom do encantamento das palavras!) na arte
de contar histórias,imaginativamente criadas por ela. E ela conseguiu escapar
da morte.
Eu também soube driblar
os percalços da vida com as palavras, estrategicamente bem colocadas em
momentos e situações iminentemente convenientes ou deveras necessárias pra mim
ou para pessoas próximas de mim.
E também sempre foquei o meu objetivo: dominar a arte
(ou seria a magia?) de colocar as
palavras como meu trunfo pra alçar voo,
instigando a minha imaginação para
dialogar com o mundo...E com elas e através delas, as palavras, pude ter
a vida que sempre quis ter, a que corresponde ao meu estilo, a minha essência,
a minha leitura de mundo. Elas me facilitaram na aproximação de pessoas, de
amores ( ah, o poder de sedução das palavras!), abriram portas para o trabalho,
para que abraçasse a minha profissão.
Não bastava apenas conhecê-las, criar
uma certa intimidade, uma certa cumplicidade com elas. Eu teria que brincar
com elas, usar a imaginação pra fazer voarem e voarem até o alvo.
Afinal, não era
Einstein que apregoava que “a imaginação
é mais importante que o conhecimento”?
Bem sei que o conhecimento é uma
potente ferramenta de libertação, afugentando a alienação, poder ilimitado. Mas a imaginação, embora
ilimitada também, é a ferramenta básica de sobrevivência, abre portas pra
liberdade.
Então, como desde jovem eu pressentira o que viria ( e veria!) pela frente por não
corresponder a certas expectativas, a certos padrões impostos, soube bem como
me “blindar”, me preparando pra vencer os desafios, sempre através do que
melhor sabia fazer: lidar com as palavras.
Cada um carrega dentro de si um dom, a sua varinha de condão, a
sua poção mágica . Muitos não se utilizam
desse, digamos, precioso poder; não conseguem se “apropriar”
dele... não conseguem enxergar o potencial que carregam dentro de
si. Passam a vida almejando ser o que nunca poderão ser, não se aceitando, não
aceitando o que a vida lhes apresenta...não superam os desafios impostos por
ela. Ou passam a vida desejando ter a vida do outro.
É comum encontrar pessoas
a minha volta que costumam lamentar a própria sorte e não encontram forças pra sobreviver às contingências da
vida; deixam os complexos ou os supostos insucessos dominarem suas vidas.
Desconhecem o dom que têm e, se o conhecem, não conseguem dele
se apropriar e utilizá-lo a seu favor ou a favor de outras pessoas. Muitos,
quando o descobrem, não sabem o que fazer com ele. (....)
E agora, no “ tecer”
das palavras , na calada da noite, ao me
encontrar comigo mesma, me deparo com o outro que se identifica com o que
sinto, com o que penso, com o que compartilho. Nem sempre sou concisa...viajando nas palavras, dançando
com elas, me perdendo delas, me reencontrando com elas.
Isso me preenche de forma grandiosa. Isso me dá uma sensação
boa...muito boa.
E me faz conectada não só com elas, as palavras, mas com as pessoas a minha volta.
Mesmo que seja assim, de forma virtual...uau!!!!!