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ra o dia de seu aniversário.
Último dia do ano. Caminhava na praia, fazendo uma análise do ano que estava
acabando, avaliando a sua vida que se tornara morna nos últimos tempos. A despeito disso, sentia-se uma pessoa
bem-sucedida e muito querida por todos. Mantinha um relacionamento estável há
quase oito anos. Eles se davam muito
bem, mas ambos optaram por morarem em casas separadas. Ele a entendia como
nunca, não era invasivo. Além disso, era apaixonado por ela, amigo dedicado,
namorado impecável, de quem ela não
tinha do que se queixar. Um rapaz bacana
demais, mas ela carregava uma alma inquieta. Ela pedia agora -caminhando na areia - pra Iemanjá, pra Deus
e todos os santos que lhe dessem um
sinal, um sentido maior a sua vida,
um chacoalhar de emoções, afinal era movida fortemente por elas.
Por não tolerar nada morno, de
fato, necessitava de algo que desse um
sentido maior a sua vida. Essa é que era a verdade – nua e crua. Pedira, então, a todos eles, uma revolução em sua vida. E, exceto por essa
inquietação em dar uma reviravolta em sua vida, julgava-se feliz. Mas, por que , afinal, não ousar pedir no
último dia do ano, conforme tradição, uma
reviravolta em sua vida? E, com muita fé, assim o fez.
Após a caminhada, ela se
propôs a voltar para o apartamento. Estava de férias na cidade há vinte dias.
Ficaria por lá mais umas duas semanas . Frequentava
a cidade há décadas. Gostava do cheiro dela, de tudo o que ela lhe trazia de
bom.
Costumava ir para lá para descansar
e sempre fora sozinha. Ela nunca levara
nenhum namorado nem arrumara ninguém por
lá .
Saiu da praia eram quase
cinco horas da tarde. O sol ainda brilhava intenso – era o horário de verão.
Atravessou a rua movimentada. Um homem aparentando quarenta anos se aproximou
dela como se a conhecesse, abordando-a na esquina, de forma inusitada.
Estranhou-a mais magra, andando meio arrastada; ofereceu-lhe em primorosa
bandeja uma generosa porção de camarões adornados ricamente por uma porção de
fritas, acompanhados de um chope ao que ela recusou com certa simpatia, porém
não sem vontade... Ele teceu comentários que ela os entendera como se ele
realmente já a conhecesse há um bom
tempo. Pareceu simpático, envolvente, agradável. Trazia ele
o sorriso largo, aquele olhar espremidinho, um jeito italiano de ser.
Ela sentiu todas as lanternas vermelhas internas se acenderem dentro de si ,
sinalizando perigo iminente. Mas conversaram por horas. Ele havia sido casado
por dez anos-agora, separado há pouco tempo- e
já a conhecia de vista (de longa data!), sabia dela através de amigos em
comum.
E foi assim... Ela se
esquivando dele, ele a cercando e a surpreendendo sempre com a boa
conversa. Até que em uma dessas noites
de verão, de céu amplamente tomado de estrelas e luar gordo, ela se deixou (? ) enveredar ( e
vitimar!) pelas incertas e caprichosas flechas de Cupido...
Ele lhe ofereceu uma vodka
ice – ela não estava habituada a beber - ali, naquele banco e, dali, foi um
pulo para o enroscar de corpos e o selar dos
corações, sob lençóis cheirando a maresia. Ali
soubera que ele seria o abismo e o céu
em sua vida. O seu verdadeiro e efervescente, tórrido amor. Descobrira,
então, que ao contrário do que muitos
supunham, não fora ela mulher de grandes amores e, sim, de grandes
enganos.
Sucumbira a seus encantos
tal qual Ulisses, tentando em vão, resistir ao canto da sereia, ao feitiço de
Calipso... Ela reconhecera naquele homem o que viria pela frente, situações das
quais sempre fugira -
ou seria o que sempre, no fundo, quisera encontrar, pra se libertar da
vida que julgava morna?
E sentiu-se sem
forças para evitar o inevitável.
E, sob o barulho das ondas,
sob aquela noite encantadora-e, nada morna-, nascia um novo amor. Amor este, a
princípio, abençoado por todos os
santos, que os fizeram renascer feitos Fênix, que ensinou a eles tantas coisas,
que os transformou tão maravilhosa, plena e intensamente em homem e
mulher ...Amor este que no dia a dia, no amanhecer, no anoitecer,
desfizera encantamentos, rompera com velhos conceitos, que os fez
sucumbirem ao fértil e perigoso terreno de emoções desencontradas,
transformando-os - príncipe e princesa-, em sapos horrendos. Sentimentos que os
fizeram compreender que pra se chegar ao paraíso há que se passar pelo
purgatório, mescla de mel e fel.
De morna, sua vida já não
tinha mais nada. Lembrou-se de quando o
seu avô lhe falara, um dia, para tomar
cuidado com as palavras soltas,
jogadas ao ar. Elas tomariam formas e
significados que teriam proporções
inimagináveis e, consequentemente, até os
pedidos ou preces poderiam ser mal interpretados ou mal
direcionados(?!)...rsrsrs.
Nascia, então, uma relação
que navegava em mares turbulentos, revoltos, sob a tutela de Netuno ( ou Posêidon) - bem
ardiloso - a revolver o seu bastão mitológico, ”pintando e bordando”, a seu bel
prazer, a vida do casal.
(...)
Eles ainda se sentam frente ao mar, em silêncio, de mãos dadas,
ainda ouvem juntos a mesma trilha sonora que um dia orquestrou seus corpos, que tocou seus corações. Ainda
conversam com estrelas, ainda fazem juras de amor eterno, ainda reconhecem em
seus olhares o brilho do primeiro olhar,
ainda “sentem no céu da boca estrelas
se tocarem, quando dizem um ao outro que se amam”.
Deixaram tudo pra trás,
magoando sem quererem os que um dia tanto disseram amar, aqueles por quem foram
amados, afastando-se de tudo pra
escreverem em linhas tortas aquilo que julgavam ser o certo, apenas com os
ouvidos atentos, capazes de ouvirem e de
entenderem as estrelas.
E, sob a regência do
coração, sob o clamor de almas-irmãs, eles prosseguem juntos, olhando na mesma
direção, há quinze intensos (e escaldantes!) verões.
Vou fazer a mesma pergunta que a Izabel fez: - Ela é você?
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