Rosana Gimael Blogueira

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domingo, 18 de janeiro de 2015

“Só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas" Olavo Bilac




E
ra o dia de seu aniversário. Último dia do ano. Caminhava na praia, fazendo uma análise do ano que estava acabando, avaliando a sua vida que se tornara morna nos últimos tempos.  A despeito disso, sentia-se uma pessoa bem-sucedida e muito querida por todos. Mantinha um relacionamento estável há quase  oito anos. Eles se davam muito bem, mas ambos optaram por morarem em casas separadas. Ele a entendia como nunca, não era invasivo. Além disso, era apaixonado por ela, amigo dedicado, namorado impecável,  de quem ela não tinha do que se queixar.  Um rapaz bacana demais, mas ela carregava uma alma inquieta. Ela pedia agora  -caminhando na areia - pra Iemanjá, pra Deus e todos os santos que lhe dessem  um sinal,  um sentido maior a sua vida, um  chacoalhar de emoções, afinal  era movida fortemente  por elas.  Por não tolerar  nada morno, de fato, necessitava de  algo que desse um sentido maior a sua vida. Essa é que era a verdade – nua e crua. Pedira,  então, a todos eles,  uma revolução em sua vida. E, exceto por essa inquietação em dar uma reviravolta em sua vida, julgava-se feliz.  Mas, por que , afinal, não ousar pedir no último dia do ano, conforme  tradição, uma reviravolta em sua vida? E, com muita fé, assim o fez.
Após a caminhada, ela se propôs a voltar para o apartamento. Estava de férias na cidade há vinte dias. Ficaria por lá mais umas duas  semanas . Frequentava a cidade há décadas. Gostava do cheiro dela, de tudo o que ela lhe trazia de bom.

Costumava ir para lá  para  descansar e sempre fora sozinha. Ela  nunca levara nenhum namorado  nem arrumara ninguém por lá .
Saiu da praia eram quase cinco horas da tarde. O sol ainda brilhava intenso – era o horário de verão. Atravessou a rua movimentada. Um homem aparentando quarenta anos se aproximou dela como se a conhecesse, abordando-a na esquina, de forma inusitada. Estranhou-a mais magra, andando meio arrastada; ofereceu-lhe em primorosa bandeja uma generosa porção de camarões adornados ricamente por uma porção de fritas, acompanhados de um chope ao que ela recusou com certa simpatia, porém não sem vontade... Ele teceu comentários que ela os entendera como se ele realmente  já a conhecesse há um bom tempo. Pareceu simpático, envolvente, agradável.  Trazia ele  o sorriso largo, aquele olhar espremidinho, um jeito italiano de ser. Ela sentiu todas as lanternas vermelhas internas se acenderem dentro de si , sinalizando perigo iminente. Mas conversaram por horas. Ele havia sido casado por dez anos-agora, separado há pouco tempo- e  já a conhecia de vista (de longa data!), sabia dela através de amigos em comum.
E foi assim... Ela se esquivando dele, ele a cercando e a surpreendendo sempre com a boa conversa.  Até que em uma dessas noites de verão, de céu amplamente tomado de estrelas e  luar gordo, ela se deixou (? ) enveredar ( e vitimar!) pelas incertas e caprichosas flechas de Cupido...
Ele lhe ofereceu uma vodka ice – ela não estava habituada a beber - ali, naquele banco e, dali, foi um pulo  para o enroscar de corpos e o selar dos corações, sob lençóis cheirando a maresia. Ali  soubera que ele seria o abismo e o céu  em sua vida. O seu verdadeiro e efervescente, tórrido amor. Descobrira, então, que ao contrário do que muitos  supunham, não fora ela mulher de grandes amores e, sim, de grandes enganos.
Sucumbira a seus encantos tal qual Ulisses, tentando em vão, resistir ao canto da sereia, ao feitiço de Calipso... Ela reconhecera naquele homem o que viria pela frente, situações das quais  sempre  fugira -  ou seria o que sempre, no fundo, quisera encontrar, pra se libertar da vida que julgava morna?
E sentiu-se  sem  forças para evitar o inevitável.
E, sob o barulho das ondas, sob aquela noite encantadora-e, nada morna-, nascia um novo amor. Amor este, a princípio,  abençoado por todos os santos, que os fizeram renascer feitos Fênix, que ensinou a eles tantas coisas, que os transformou tão maravilhosa, plena e  intensamente  em homem e  mulher  ...Amor este  que no dia a dia, no amanhecer, no anoitecer, desfizera  encantamentos,   rompera com velhos conceitos,  que os fez  sucumbirem ao fértil e perigoso terreno de emoções desencontradas, transformando-os - príncipe e princesa-, em sapos horrendos. Sentimentos que os fizeram compreender que pra se chegar ao paraíso há que se passar pelo purgatório, mescla de mel e fel.
De morna, sua vida já não tinha  mais nada. Lembrou-se de quando o seu avô lhe falara, um dia, para  tomar cuidado com as palavras soltas, jogadas  ao ar. Elas tomariam formas e significados que teriam  proporções inimagináveis e, consequentemente, até os  pedidos ou preces poderiam ser mal interpretados ou mal direcionados(?!)...rsrsrs.
Nascia, então, uma relação que  navegava  em mares  turbulentos, revoltos,  sob a tutela de Netuno ( ou Posêidon) - bem ardiloso - a revolver o seu bastão mitológico, ”pintando e bordando”, a seu bel prazer, a vida do casal.
(...)
Eles ainda se sentam  frente ao mar, em silêncio, de mãos dadas, ainda ouvem juntos a mesma trilha sonora que um dia orquestrou  seus corpos, que tocou seus corações. Ainda conversam com estrelas, ainda fazem juras de amor eterno, ainda reconhecem em seus olhares o brilho do primeiro olhar,  ainda “sentem no céu da boca estrelas  se tocarem, quando dizem um ao outro que se amam”. 
Deixaram tudo pra trás, magoando sem quererem os que um dia tanto disseram amar, aqueles por quem foram amados, afastando-se de tudo  pra escreverem em linhas tortas aquilo que julgavam ser o certo, apenas com os ouvidos atentos, capazes de  ouvirem e de entenderem as  estrelas.

E, sob a regência do coração, sob o clamor de almas-irmãs, eles prosseguem juntos, olhando na mesma direção, há quinze intensos (e escaldantes!) verões.

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