L
|
uísa cursava o
último ano de Arquitetura. Tinha poucos atrativos físicos, mas era culta,
extremamente culta. Os pais vieram de uma família abastada. A mãe era artista
plástica; o pai, professor de História
da Arte, em uma universidade conhecida; nas horas de lazer era um músico que
transitava entre o jazz e o blues ...era um virtuose!
Seus
ouvidos foram treinados a ouvirem boa música, da clássica ao rock ; por
influência dos pais, flertava com a MPB e, claro, com o jazz e o blues. Lia
Kafka, contemplava Dalí, consumia Godard. Filha única, desde sempre fora criada
cercada de conforto, viajara pelo mundo, fizera alguns intercâmbios culturais,
o que lhe rendera fluência em quatro idiomas. Tivera acesso a uma educação
diferenciada, à prática de esportes também diferenciados - tênis, turfe e
esgrima. Tinha poucos amigos e “ pais-cabeça “ dos quais se orgulhava em tê-los
como seus progenitores e melhores
amigos.
No
barzinho frequentado por universitários, Luísa fora cercada , em certa noite, por Pedro, um rapaz sem atributos físicos
como ela.
Ele era considerado “o burro” na turma da Engenharia Civil. Fora reprovado e carregava várias dependências do curso. Ele sempre a admirava de longe...gostava do jeito dela com as pessoas a sua volta, do seu porte que, segundo ele, lembrava o de uma rainha. Mas nunca tivera chances de dela se aproximar. Pensava sempre em Luísa, tinha fantasias com ela, tinha-a como musa inspiradora nos momentos mais solitários , longe dos seus, da sua Goiânia querida. Noites em claro ao som de pagode, de sertanejo. Pedro pensava em Luísa, desejando imensamente aquela garota de quase 1,80m, porte de rainha, uma “ nerd “em potencial.
Mas o "amor" consegue ser destemidamente desbravador quando quer..
Ele se dedicou tanto quanto pôde a “estudar” todas as preferências e gostos de Luísa, articulando todas as possibilidades de chegar a ela e, apesar de terem colegas em comum, ela lhe parecia inacessível. Foi assim durante meses, até aquela noite, graças a esses colegas que lhe disseram onde a encontraria às sextas-feiras.
Ele era considerado “o burro” na turma da Engenharia Civil. Fora reprovado e carregava várias dependências do curso. Ele sempre a admirava de longe...gostava do jeito dela com as pessoas a sua volta, do seu porte que, segundo ele, lembrava o de uma rainha. Mas nunca tivera chances de dela se aproximar. Pensava sempre em Luísa, tinha fantasias com ela, tinha-a como musa inspiradora nos momentos mais solitários , longe dos seus, da sua Goiânia querida. Noites em claro ao som de pagode, de sertanejo. Pedro pensava em Luísa, desejando imensamente aquela garota de quase 1,80m, porte de rainha, uma “ nerd “em potencial.
Mas o "amor" consegue ser destemidamente desbravador quando quer..
Ele se dedicou tanto quanto pôde a “estudar” todas as preferências e gostos de Luísa, articulando todas as possibilidades de chegar a ela e, apesar de terem colegas em comum, ela lhe parecia inacessível. Foi assim durante meses, até aquela noite, graças a esses colegas que lhe disseram onde a encontraria às sextas-feiras.
Ele , o caçula de quatro irmãos, vinha de uma família de emergentes; o
pai era empresário do ramo agropecuário. A mãe dedicava-se aos filhos e ao lar; ambos tinham uma vida voltada mais para o consumismo e não priorizavam uma vida movida à cultura ou coisa assim. A família inteira, dos dois
lados dos pais, se fez na lavoura.
(...)
Mas, voltando àquela certa noite....Ela encontrava-se sozinha ali naquele barzinho, junto ao balcão. Ele encheu o peito de ar, aproximou-se com um
andar meticulosamente calculado e,
incorporando um ar distraído, criou coragem pedindo um "capeta de abacaxi "e, após a bebida,
disparou:
- Este
ambiente está abafado, me remete aos contos góticos de Castro Alves!
- Como
assim , góticos?
- Digo: este lugar. Abafado. Navio Negreiro.
-
Navio Negreiro? Se voltando para o rapaz, pega de surpresa com a comparação, no
mínimo, inusitada no que se referia ao autor romântico nacionalista como
“gótico”.
-
Uhum! Abafado como o Navio Negreiro do gótico Castro Alves,reforça ele.
-Ah –
um “ah” de quem entendeu.
Muito bem! Ela fora receptiva, ponto
pra ele.
E ele:
_ Só
faltam as correntes pra eu me sentir como os escravos – brinca...uma nova
alusão ao livro.
- É,
responde ela desanimadoramente monossilábica.
E
então se fez o silêncio. Ele esperava que ela alavancasse algum comentário que o estimulasse a continuar conversando, que fugisse das interjeições
desestimuladoras.
Mas o "amor" consegue ser cegamente persistente quando quer. Por isso, espera, ainda paciente, uma “deixa”.
Mas o "amor" consegue ser cegamente persistente quando quer. Por isso, espera, ainda paciente, uma “deixa”.
A
música ambiente, algum jazz que ele desconhece – o que não é de surpreender – preenche o silêncio. Ele suspira, arrematando:
- Play
it again, Sam!
Ela
sorri. Outro ponto positivo.
-
Também gosto de Casablanca – ela.
-
Assisti três vezes- responde ele.
-
Três?
- Essa
semana.
-
Puxa! Eu nem tanto, a esse ponto. – E novamente o silêncio.
Ela
discorda. Ponto negativo. E ainda por cima, aquele silêncio dela... Ele precisava continuar o
assunto que conseguiu arrancar-lhe um sorriso. Mas falar o quê? Nunca assistira ao filme Casablanca em toda sua vida. Andou sondando no Google, mas não se lembrava dos
detalhes do filme. Queria impressioná-la. Então, recomeça:
-
Pobre Scarlett O´Hara – arrisca.
-
Como? – Ela ri. – Scarlett O´Hara em Casablanca?
Suava
em bicas agora e, apressando-se em responder:
-
Refiro-me ao próximo vídeo que irei rever...E o Vento Levou… quarta vez essa
semana. Só de lembrar o que a pobre Scarlett vai passar, fico emocionado.
-
Sério? Costuma chorar nos filmes?
- Até
com George Chaplin.
-
Quem?
Dados
cruzados. Simplifique. Simplifique. Silêncio brutal...ela retoma:
- Hãã…
Chaplin, o vagabundo.
- Ah,
sim. Ele tempera as piadas com as lágrimas. Mas nada como um Freddie Mercury
depois.
- Hum… Boa pedida. Mas quer uma sugestão? Prefira
Smiths.
- Sim,
um som eletrônico é uma ótima sugestão.
-The Smiths,
eletrônico?
Hããã?...suor
de novo, em abundância...Que inferno é esse Smiths? Will Smiths? Reorganize...
-É que o Rap tem algo de eletrônico.
-Rap??!!! The Smiths é rock!
-
Rock? Sim. Foi o que eu disse. RAP. “Rock to
Alternative People”. Um movimento musical ocorrido nos
guetos londrinos, iniciado nos anos noventa.
-
Smiths nos anos noventa? – rindo.
Besta.
Por que não colocou ponto final depois de “londrinos”? Agora se joga.
- Hãã…
bem… É que talvez você não tenha ouvido a demo que lançaram na década de
noventa, antes de estourarem nos anos dois mil.
- Anos
dois mil? – ela, quase gargalhando.
Ele
pigarreia, embaraçado. Quase entregue. Quase… Mas o amor consegue ser insensivelmente cara-de-pau quando quer.
Me
desculpe. Estou um pouco confuso, qualquer um ficaria assim depois de contemplar Rembrandt por duas
horas...
Ela,
surpresa e animada:
- Você
gosta de Rembrandt? Não acredito! Eu amo Rembrandt. Amo, amo, amo. Me diga:
qual seu quadro preferido?
Seu
anta, e agora? Confusão total...La Gioconda, Sagrada Família, O Grito, A moça...Meu Deus, tô ferrado!
Ele,
responde, evasivo:
-
Prefiro aquela fase após ele cortar a própria orelha.
- Mas
quem cortou a orelha foi Van Gogh.
- É…
Então… Pra ser bem sincero, estou começando agora a apreciar os pintores
italianos.
-
Italiano? – Rindo de novo. – Mas ele era
holandês!
- Era?
Mas isso era o que se acreditava no século 15.
- Mas
Rembrandt viveu no século 17!
-
Cheeeeeegaaaaa- grita.
Sai
furioso daquele lugar, sem olhar para trás, deixando a garota sozinha, que ria
sem parar.
Entrou
na Tucson prata novinha, novinha - presente do pai . Colocou Gustavo Lima pra ouvir e saiu cantando pneus, buzinando pra uma linda loirinha ali ,na outra
esquina, em frente a outro bar, que dançava sensualmente - sob a mira de olhares
libidinosos, calorosos aplausos e “fiufius” - , embalada pela música “ela não
anda, ela desfila...ela é top, capa de revista”” , vinda de uma caminhonete
potente.
Parou
ali sob o pretexto de tomar uma “cerva”
e se esquecer do “mico” da noite.
E
tendo uma única certeza: Mulheres inteligentes são complicadas demais.
Decididamente não servem para ele!
E ali, naquela esquina movimentada,
ele se jogou, sentindo-se pertencido ao seu mundo, ao seu meio. E riu muito, divertindo-se
madrugada afora, esquecendo-se de tudo nos braços de outra menina - bem mais acessível e receptiva a aos seus
anseios, aos seus apelos.